Em 1999, uma criança nasceu, de parto prematuro e com deformidades congénitas: o Euro 20 anos depois – alguns textos sobre a sua atribulada existência. Texto nº 11. O euro já tem 20 anos: a zona euro está condenada ao sucesso.


O euro já tem 20 anos: a zona euro está condenada ao sucesso.

A moeda única perdura, mas são necessários ajustamentos significativos

(Martin Wolf, 27 de Janeiro de 2019)

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Como muitas pessoas de 20 anos, a moeda europeia sofreu uma adolescência traumática. Em dados  momentos, muitos pensaram que não chegaria a esta idade de maturidade. Mas atingiu. É um êxito. No entanto, a experiência tem sido tão difícil que levanta necessariamente grandes questões. Nesta avaliação do seu aniversário, vou considerar quatro.

Em primeiro lugar, será  que  o euro foi uma ideia sensata? Num discurso lúcido no mês passado, Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu – na minha opinião, uma das duas pessoas (a outra é a Chanceler alemã Angela Merkel) mais responsáveis pela sobrevivência do euro – explicou a razão da sua criação. Teria sido impossível, argumentou, manter a profunda integração do mercado único sem a moeda única. Assim, “o apoio ao mercado único ficaria comprometido a longo prazo se as empresas que investem no aumento da produtividade pudessem ser privadas de alguns das suas vantagens, o que poderia acontecer por comportamentos desleais de cada país face aos vizinhos como a utilização de desvalorizações competitivas. Os mercados abertos não teriam durado”.

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No entanto, também era evidente que o euro era muito arriscado. Uma política monetária comum pode conduzir a divergências cumulativas, com taxas de juro reais mais baixas nos países com inflação elevada (e portanto em expansão) e vice-versa. Ao associar países com instituições e comportamentos económicos tão diferentes, especialmente na ausência de um processo político partilhado, o euro pode afastar os povos da Europa, em vez de os unir. Assim, em 1991, argumentei: “O esforço para unir os Estados pode levar, em vez disso, a um enorme aumento das fricções entre eles. Se assim for, o acontecimento corresponderia à definição clássica de tragédia: húbris (arrogância), loucura; nemesis (destruição).

Em segundo lugar, como é que o euro se tem comportado? Obviamente, sobreviveu, apesar dos grandes choques e das divisões dolorosas. Fê-lo porque os custos da dissolução, ou mesmo da partida de membros individuais, parecem aterradores. Fê-lo também porque, no fundo das crises, os decisores políticos fizeram o suficiente para o manter vivo.

Pensem na criação dos mecanismos de financiamento de emergência da zona euro, na declaração “o que for preciso” de Draghi em julho de 2012 e na vontade do BCE em  utilizar os instrumentos de um banco central moderno. Como observa Daniel Gros do Centro de Estudos Políticos Europeus: “Em última análise, o euro sobreviveu porque, quando a pressão se fez sentir, os líderes dos Estados-Membros da área do euro gastaram o seu  capital político para implementar as reformas necessárias”.

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Mas sobreviver não é o mesmo que sobreviver bem. A zona euro demorou um tempo inconscientemente longo a enfrentar a crise. Como o economista Ashoka Mody argumenta, esse trauma infligiu feridas económicas, sociais e políticas profundas e duradouras nos países mais frágeis. Em vez de gerar convergência nos padrões de vida, o euro permitiu a divergência. Os empréstimos bancários no interior da zona  euro entraram em colapso. A inflação tem sido persistentemente demasiado baixa, tornando o ajustamento dos custos relativos muito difícil. As políticas contracionistas impostas aos países atingidos pela crise, juntamente com os persistentes excedentes das contas correntes da Alemanha e dos Países Baixos, levaram a zona euro  para grandes excedentes, externalizando assim uma parte considerável do seu ajustamento pós-crise. (Ver gráficos.)

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Em terceiro lugar, será que a zona euro vai sobreviver? A resposta é provável que seja: sim. Três quartos das pessoas na zona euro são a favor do euro, a percentagem  mais elevada desde 2004. Cerca de 40% dos adultos da zona euro não conhecem outra moeda. O número de membros da zona euro também continuou a aumentar, seguramente um voto de confiança.

No entanto, a maior razão para o otimismo quanto à sobrevivência tem de ser as consequências da alternativa, a dissolução. Separar-se seria extremamente traumático, tanto financeira como economicamente. Ameaçaria também a sobrevivência da própria UE, que sempre foi construída sobre uma base de integração económica. O mercado único entraria, muito possivelmente,  em colapso. Deste modo, então, poderia haver a possibilidade de relações cooperativas. Alguns parecem pensar que a Europa precisa de um novo surto de nacionalismo agressivo. Aqueles com algum conhecimento histórico sabem quão letal pode provavelmente ser esse bacilo.

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Mas, por último, será que o euro vai sobreviver bem?  Gros sublinha que o recorde não é assim tão mau. Os mercados de trabalho da Europa continental sofreram uma insuficiente melhoria estrutural, com a taxa de participação da força de trabalho a aumentar todos os anos, mesmo durante a crise”, acrescentou. Hoje, a taxa de participação da população adulta que é economicamente ativa na Europa  é   superior à dos Estados Unidos .As taxas de desemprego também estão a diminuir, mesmo nos países mais atingidos pela crise. O euro forçou reformas importantes. Tudo isto é significativo.

No entanto, a zona do euro não é,  e muito provavelmente nunca será,  uma “união monetária ótima”. Além disso, qualquer tipo de união federal parece estar fora de questão. Isto garante que o problema político fundamental – a disjunção entre a responsabilidade política da zona euro e a responsabilidade política nacional – perdurará. O que é necessário, pelo contrário, são mudanças destinadas a criar uma união “suficientemente boa”. A tomada de riscos deve fazer-se  pelo  financiamento privado transfronteiriço. É por isso que a união  bancária  e dos mercados de capitais são passos importantes. Tem de ser mais fácil (e mais aceitável) reestruturar a dívida. Não menos importante, o ajustamento macroeconómico tem de ser muito mais simétrico.

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Em última análise, a zona euro está condenada ao sucesso. Um desmembramento causaria enormes danos à frágil ordem construída sobre os destroços do pós-guerra. Quer tenha sido ou não uma boa ideia, os custos de a desfazer tornam essa ideia impensável. Mas ela não terá sucesso – e pode até não sobreviver – se a complacência se instalar. A zona euro sobreviveu, e com muita dificuldade,  à sua experiência de morte iminente. Para ter uma vida longa e saudável, precisa de mudanças  substanciais.


O próximo texto desta série será publicado amanhã, 24/03/2019, 22h.


Tradução de Júlio Marques Mota – Fonte aqui

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