Ano de 2019, ano de eleições europeias. Parte II – Imagens soltas de uma União Europeia em decomposição a partir de alguns dos seus Estados membros. 7º Texto – A Itália deve afastar os Estados-Membros da distopia neoliberal da zona euro

A Itália deve afastar os Estados-Membros da distopia neoliberal da zona euro

(Bill Mitchell, 5 de Novembro de 2018)

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O site de notícias alemão, Spiegel Online, publicou um artigo fantástico na semana passada (1 de Novembro de 2018) – a Itália duplica a Ameaça à Estabilidade do Euro – que me confirma que muito poucos progressos têm sido feitos na zona euro em termos de compreensão cultural desde a Grande CRISE financeira.  Isso, por sua vez, diz-me que a união monetária não conseguirá sair da engrenagem de austeridade e está agora mais exposta do que nunca à rutura quando chegar  a próxima crise. A atual situação italiana é o pior pesadelo da Comissão Europeia. Poderia combinar-se com o BCE e o FMI para intimidar a Grécia, em parte devido à dimensão da economia grega, mas também porque tinham que se opor a Tsipras e Syriza. Eles sabiam que no plano politico a Grécia  cederia e se tornaria agente dos  seus planos neoliberais. Mas os políticos na Itália podem vir a ser uma proposta diferente – espera-se que sim. E a Itália é uma grande economia e um dos fundadores originais da  Comunidade. Portanto, as apostas são mais altas. Mas o que a Comissão exige da Itália na atual situação de crescimento económico zero e de enormes excedentes fiscais primários é totalmente irresponsável. Nem sequer atingirá os objetivos declarados da Comissão de reduzir o rácio da dívida pública. A probabilidade é que a estratégia da Comissão, se conseguir intimidar o Governo italiano até à sua submissão, irá aumentar ainda mais esse  rácio. E, entretanto, a Itália mergulhou numa espécie de distopia neoliberal. A Itália deve conduzir os outros Estados-Membros a saírem deste desastre neoliberal.

A afirmação do artigo do Spiegel é a seguinte: Crescem os receios de que a crise do euro possa voltar a aparecer e muito em breve. A Itália pode desencadear uma reação em cadeia se não ceder à exigência da União Europeia de controlar as suas despesas publicas financiadas pelo défice. A preocupação aumenta em Bruxelas e nos mercados financeiros.

Portanto, a culpa é da Itália. Essa é a visão alemã.

Eles relatam que a decisão da Comissão Europeia de forçar a Itália a rever o seu plano orçamental  dentro de três semanas foi:

… não havia nenhum  precedente na história da União Europeia e era uma humilhação para a Itália.

Os italianos parecem ter respondido com algum alarido, com o líder da Lega, Matteo Salvini, exigindo que “Os senhores do SPREAD que se afastem”.

O primeiro-ministro Giuseppe Conte foi citado como dizendo:

Quanto mais estudo o projeto de orçamento, mais gosto dele.

O fato é que o plano fiscal elaborado pelo novo governo “cumprirá as promessas eleitorais”. Ou seja, o povo italiano votou claramente a favor das políticas e a intervenção da Comissão Europeia apenas destaca a natureza antidemocrática da União Europeia e das  suas instituições.

Mas há mais do que isso e analisarei abaixo se a intervenção da Comissão tem algum sentido económico.

O artigo do Spiegel Online está firmemente ao lado de Bruxelas, surpresa, surpresa.

Escreve:

Como membro do Eurogrupo, que governa a moeda comum, a Itália aceitou submeter-se às suas regras. Os governos anteriores da Itália assinaram tratados que ainda se aplicam aos seus sucessores. E quando o governo italiano quebra essas regras, compromete não só o bem-estar de seu próprio país, mas também o de toda a união monetária.

Com certeza. Mas um novo governo pode rejeitar essas regras e pressionar para que se levem a cabo novas  negociações.

Mas Spiegel Online acredita que a demonstração do governo italiano de sua intenção de procurar estar em linha com a   vontade do povo através do seu plano fiscal é simplesmente “chantagem”.

A Itália é considerada uma “bomba relógio monetária no meio do continente”.

Afirma que um “Italexit” teria consequências devastadoras – não só para o próprio país, mas também para as economias de toda a zona euro.

Por outras palavras, esta é a linha de comportamento habitual, que se desenrola  sempre que uma nação procura afirmar uma sua qualquer intenção democrática, e é concebida para criar um medo irracional e evitar que procure satisfazer a sua vontade .

Considerei todos os casos no meu livro de 2015 – A Distopia da Zona Euro: Groupthink and Denial on a Grand Scale – e concluí que a Itália estaria muito melhor fora da Zona Euro do que nela permanecer .

Haveria custos de transição, que poderiam ser significativos, mas uma vez feito o ajustamento, o futuro seria muito mais brilhante do que na moeda comum.

E, pelo menos o Spiegel Online admite isso:

A crise do euro nunca desapareceu realmente, foi apenas obscurecida pelos triliões baratos do BCE. Na verdade, a crise pode voltar a qualquer momento se os mercados financeiros perderem a confiança, se os investidores recuarem ou se os especuladores começarem a apostar contra países isoladamente. E, como tal, a apostar contra o euro.

Esta é a realidade.

Foi apenas o BCE que impediu a ocorrência de insolvências em muitos Estados-Membros em 2010 e novamente em 2012.

A moeda comum só sobreviveu porque o BCE tem sistematicamente violado as regras do Tratado, embora alegando o contrário, e a Comissão fechou os olhos.

O facto é que o BCE tem vindo a financiar os défices orçamentais desde Maio de 2010 e, embora possam afirmar que apenas compraram milhões de milhões de euros de obrigações do Tesouro como uma operação de “gestão da liquidez”, a verdade é obviamente outra.

O Spiegel Online está claramente a tentar atribuir toda a culpa à Itália.

Eles consideram que  uma crise pendente é: … porque um país como a Itália não respeita as regras.

Eles estão calados  sobre os excedentes da balança  corrente em curso que a Alemanha tem estado a gerir, em  que têm violado bem as regras da Zona Euro.

Os excedentes externos alemães (média de três anos) aumentaram de 6,2 por cento do PIB em 2012 para 8,4 por cento em 2017, onde o máximo permitido pelo Procedimento de Desequilíbrio Macroeconómico é de 6 por cento do PIB.

Talvez se a Alemanha gastasse mais internamente, os outros Estados-Membros não precisariam de estimular tanto a sua própria procura interna.

É ridículo isolar a Itália neste período atual e acusá-la de prejudicar a zona euro.

Os dados das contas nacionais da semana passada revelam como a economia da zona-euro em geral está a ter um mau comportamento. Isso não tem muito a ver com a Itália e tem  a ver com o sistema monetário mal concebido, que exige um enviesamento a favor da austeridade sob as suas regras, desafiando a utilização responsável da política fiscal.

O Spiegel Online também apresenta o argumento da injustiça intergeracional – que o aumento da dívida contraída para financiar a geração atual significará que “os nossos  filhos terão que pagar essas dívidas algum dia, no futuro”.

E dizem o seguinte:

Aqueles que argumentam que a Itália precisa de aumentar o poder de compra do seu povo à custa das gerações futuras para desencadear uma retoma económica estão a ignorar os défices estruturais significativos do país …

… os riscos do crescimento desenfreado da dívida nacional…

Veremos abaixo que esta afirmação é amplamente falsa.

O Spiegel Online utiliza termos como “criança teimosa” para descrever os membros do governo italiano:

…como se cria uma criança teimosa para quem o castigo é encorajador?

Um jogo de moralidade com tons humilhantes para a Itália.

A questão é que a Comissão Europeia está bloqueada. Podem insistir na austeridade, apesar do plano orçamental italiano estar dentro dos limiares orçamentais do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Mas estão agora a lidar com uma grande economia e com um governo que sempre foi cético em relação à Europa.

Não se trata de Syriza, que a EU está a planear intimidar.

A Comissão espera claramente que os mercados obrigacionistas aumentem os rendimentos da dívida pública italiana e levem o Governo a curvar-se por esta via .

Mas isso leva a que a  Itália fique à  beira do abismo e os resultados serão menos do que previsíveis. Então, porquê a crise?

À primeira vista, o plano orçamental revisto  apresentado pelo novo governo italiano apenas propôs um défice orçamental de 2,4% do PIB em 2019 e, em seguida, cortes severos no défice. Lembre-se de que este é o saldo orçamental  final global de que estamos a falar, inclui o pagamento de juros sobre a dívida pública.

O valor de 2,4% do PIB está obviamente dentro do limiar de 3% do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Mas, ao abrigo do Pacto Orçamental de 2012, que é uma “versão mais rigorosa do Pacto de Estabilidade e Crescimento”, impõe um “défice estrutural que não exceda  um objetivo orçamental de médio prazo (OMP) específico de cada país, que, no máximo, pode ser fixado em 0,5% do PIB para os Estados que tenham  um rácio da dívida em relação ao PIB superior a 60%”.

Por conseguinte, não é apenas o limiar de 3% que importa ao abrigo da legislação europeia. A Comissão Europeia afirma que o défice proposto pelo Governo italiano de 2,4% do PIB é demasiado grande para garantir que está a fazer progressos na redução do rácio da dívida pública, que se situa em cerca de 131,8% do PIB.

Em 23 de maio de 2018, a Comissão publicou a sua – Avaliação do Programa de Estabilidade de 2018 para a Itália – e concluiu que:

  1. “A Itália está atualmente sujeita à vertente preventiva do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) e deverá assegurar progressos suficientes no sentido do seu OMP” (objetivo orçamental de médio prazo).
  2. “Dado que o rácio da dívida foi de 131,8 % do PIB em 2017, excedendo o valor de referência de 60 % do PIB, a Itália está também sujeita ao valor de referência de redução da dívida.
  3. “Devido ao incumprimento prima facie por parte da Itália do valor de referência de redução da dívida em 2016 e 2017, a Comissão publicou, em 23 de maio de 2018, um relatório ao abrigo do artigo 126. O relatório concluiu que o critério da dívida, tal como definido no Tratado e no Regulamento (CE) n.º 1467/1997, deve ser considerado atualmente cumprido, pelo que, nesta fase, não se justifica um PDE”.

Eles sinalizaram que iriam avaliar o “cumprimento” quando surgissem novos dados – isto é, os planos orçamentais do novo governo. Eles também afirmaram que a recuperação económica na Itália “se fortaleceu” e que a economia cresceria 1,5% em 2018.

Alguns dados macroeconómicos recentes

Os dados mais recentes do Eurostat sobre o PIB estão agora disponíveis para o trimestre de setembro de 2018 e mostram um abrandamento generalizado na zona  euro e um crescimento zero para a Itália.

Para atingir a estimativa da Comissão de maio de 2018 de crescimento do PIB italiano em 2018, a Itália teria de crescer quase impossivelmente 1,4% no último trimestre deste ano.

O “Projeto de Plano Orçamental (PPO) de 2018 de outubro de 2017”, o trabalho do anterior governo italiano, teve em conta a redução do saldo orçamental para 0,8 por cento do PIB em 2019, com base no objetivo de crescimento de 1,5 por cento.

A realidade é que a meta do PIB não será atingida. Longe de se reforçar, a tendência do PIB está a tornar-se de estacionária a negativa. O que significa que os impactos cíclicos sobre o saldo orçamental serão levados  para territórios com défices mais elevados e isto significa que o objetivo original no DBP  não só não é alcançável como é irresponsável tentar alcançá-lo.

Aqui está a comparação entre a evolução do PIB da Zona Euro e da Itália a partir do pico de março-trimestre de 2008 antes da crise.

A economia italiana é agora 5 por cento mais pequena e não pode ser vista como tendo “recuperado”  qualquer que seja o  sentido desse termo.

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O gráfico  seguinte  mostra as taxas de crescimento trimestrais para cada um deles, desde o trimestre de março de 2015 até ao trimestre de setembro de 2018.

A Itália está agora de novo no fundo do poço, uma vez que o resto da Zona Euro também desacelera consideravelmente.

A taxa de crescimento trimestral da Itália tem estado a cair  desde que atingiu um pico bastante insípido  (O,51%) no trimestre de março de 2015.

Isso deve mostrar à evidência  de que a minha estimativa da impossibilidade de a Itália se aproximar das estimativas da Comissão de maio de 2018 é sólida.

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Veja-se agora a situação do mercado de trabalho que se caracteriza por um desemprego persistentemente elevado no total e para os jovens e com  todos os problemas que acompanham essa situação – salários baixos, taxas de pobreza acrescidas, empregos precários e tudo o resto.

O gráfico seguinte mostra as taxas de desemprego total e juvenil desde o primeiro trimestre de 1985 ao trimestre de Junho de 2018.

Não faz sentido pensar que a Itália tenha recuperado da  Grande Crise Financeira.

O facto de o desemprego dos jovens se situar ainda em cerca de 32 por cento (subindo de um mínimo de 20,4 por cento no primeiro trimestre de 2007) significa que uma geração de jovens estará a perder as oportunidades essenciais para transitar suavemente da escola para o trabalho e adquirir a experiência profissional necessária como precursor de uma vida adulta mais segura.

O impacto da austeridade infligida à Itália nos últimos anos repercutir-se-á nas gerações vindouras.

E esses são custos reais, e não o confecionado “peso da dívida”, que normalmente se diz representar violações da equidade intergeracional.

Podemos esperar que a taxa de desemprego comece a aumentar novamente, uma vez que o crescimento caiu para zero.

E lembrem-se, o desemprego é apenas a “ponta do iceberg”.

Para mais desenvolvimentos osbre este tema veja-me o meu texto  – If we don’t, it won’t and won’t need to …(5 de Outubro de  2009).

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Com esses dados em mente, seria contraproducente impor uma maior austeridade à Itália.

Dinâmica da dívida pública

E aqui está uma realidade, que é principalmente negligenciada pelos comentadores e analistas dos  mercados financeiros, que se concentram apenas nos agregados.

O primeiro gráfico mostra a evolução do rácio dívida pública/PIB na França, Alemanha, Itália e Espanha de 1995 a 2017. Os índices são fixados em 100 em 1995.

Assim, o rácio da dívida pública da Itália aumentou 12,2 pontos percentuais durante esse período de 22 anos, enquanto que o rácio da Alemanha aumentou 16,6 pontos, o da França 75,6 pontos e o da Espanha 59,0 pontos.

O rácio da dívida da zona do euro aumentou globalmente 22,4 pontos percentuais.

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De facto, como o gráfico seguinte mostra, a Itália registou uma das mais baixas variações no seu rácio da dívida pública desde 1995.

Assim, quando o Spiegel Online fala do “crescimento desenfreado da dívida pública”, sabe que isso é mentira e revela a motivação do artigo.

Essa motivação não é certamente para informar corretamente os seus leitores.

Além disso, enquanto o gráfico anterior permite apreciar que a mudança no rácio da dívida pública desde 1995 tem sido modesta para a Itália, o gráfico seguinte demonstra-o mais claramente.

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A realidade é que o rácio da dívida pública italiana aumentou nos anos 80 e tem permanecido bastante estável desde então. E isso tem sido parte do problema.

Ao abrigo dos critérios de convergência para aceder à terceira fase do processo da moeda comum ao abrigo do Acordo de Maastricht, a Itália foi forçada a impor austeridade fiscal a partir de meados da década de 1990.

Essa austeridade produziu o crescimento relativamente fraco do PIB que a Itália sofreu.

É provável que o rácio da dívida aumente de qualquer forma se a austeridade for aplicada porque o denominador (PIB) diminuirá mais rapidamente do que qualquer redução da dívida nas condições atuais.

Os economistas da Comissão Europeia sabem necessariamente isto.

Devem saber que é contraproducente, em termos da forma como apresentaram o problema na sua avaliação (link acima), obrigando  a Itália a reduzir ainda mais a sua  despesa interna.

E isso significa que toda a farsa é um jogo de poder e uma aplicação da ideologia e não tem muito a ver com a economia na atual  situação.

A situação da  economia  recomendaria – sem dúvida – um défice orçamental muito superior ao proposto pelo novo governo italiano.

Dinâmica do equilíbrio orçamental

E aqui está uma outra realidade, que é ainda mais negligenciada pelos comentadores dos  mercados financeiros, que se concentram apenas nos agregados.

Enquanto o défice orçamental global em 2017 foi de 2,4 por cento do PIB, a componente de serviço de juros desse défice foi de 3,6 por cento do PIB.

Significa que o saldo orçamental primário era excedentário por uma margem considerável (1.2 por cento do PIB).

Lembre-se que o saldo orçamental primário é a despesa total menos os pagamentos de juros sobre a dívida menos as receitas fiscais.

A Itália tem vindo a registar um excedente orçamental primário de proporções variáveis (com uma média superior a 1,7% do PIB) desde há alguns anos.

O gráfico seguinte mostra o saldo orçamental real e primário (utilizando  dados disponíveis do Istat (Istituto Nazionale di Statistica)).

É difícil construir a Itália como sendo indisciplinada em relação às suas definições de política fiscal.

Longe disso.

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A  Itália sempre defendeu   de que  deveria ter um grande excedente orçamental  primário para garantir que a dívida não fique por efeito de  “bola de neve” fora de controle.

Os críticos da Itália  argumentam que, com o baixo crescimento e o perigo de inflação alta, se a Itália tentasse ter excedentes  primários menores, a dívida começaria a acelerar, especialmente se as taxas de juros começassem a subir mais rápido que a taxa de inflação.

O problema com esse tipo de raciocínio é que a outra forma de estabilizar o índice da dívida pública é alcançar taxas de crescimento mais rápidas e os excedentes primários militam contra essa oportunidade.

Isso, por sua vez, significa que a Itália está presa numa espécie de distopia – baixo crescimento, desemprego persistentemente elevado, crescimento lento dos salários, aumento das taxas de pobreza e aumento da instabilidade social.

As políticas deste tipo de distopia são instáveis.

A Itália tem simplesmente de sair da zona euro para escapar a essa distopia.

No que se refere à grande componente de serviço dos juros no saldo orçamental global, alguns poderão argumentar que estes pagamentos de juros, atualmente da ordem dos 4,3% do PIB, são uma fonte de estímulo, uma vez que representam fluxos de receitas públicas para o sector não governamental.

O problema é que uma parte significativa destes fluxos vai para o BCE, que detém mais de 560 mil milhões de euros da dívida pública italiana, cerca de 18 por cento.

Os investidores italianos detêm cerca de 70 por cento da dívida pública italiana pendente. Os detentores da dívida não pertencentes à Zona Euro representam cerca de 5 por cento de toda a dívida pendente.

A natureza contracionista da posição fiscal na Itália é mostrada no gráfico seguinte, que capta a mudança no saldo orçamental nos últimos 12 meses (em percentagem do  PIB).

Uma variação positiva indica que o défice está a diminuir.

A Itália sofreu uma alteração orçamental contracionista significativa durante este período, o que, em parte, é a razão pela qual a sua taxa de crescimento foi reduzida a zero e está a entrar em estado de recessão.

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Uma última forma de compreender a posição italiana consiste em considerar o “saldo orçamental primário corrigido das variações cíclicas” (em percentagem do PIB potencial).

O processo de ajustamento cíclico tenta criar uma medida da situação orçamental discricionária independente dos estabilizadores automáticos.

Por conseguinte, os efeitos cíclicos sobre as despesas (prestações sociais) e as receitas fiscais decorrentes do facto de a economia estar longe do “pleno emprego” são  excluídos  dos agregados orçamentais.

Esta medida é retirada ao FMI e é suscetível de subestimar o grau de contração.

Para uma anális emais aprofunda-se vejam-se os seguintes textos: :

  1. Structural deficits – the great con job!(May 15, 2009).
  2. Structural deficits and automatic stabilisers(November 29, 2009).

Assim, o processo envolve a necessidade de se pressupor  um nível de atividade de referência qualificado como o nível de produção na situação de  plena capacidade de produção  e de pleno emprego em que o impacto dos estabilizadores automáticos (componente cíclica) é portanto nulo.

Nesse valor de referência, as despesas públicas e as receitas fiscais são então comparadas, a sua diferença dá-nos  o saldo  “estrutural”, ou seja, o saldo sem efeitos de conjuntura que são expressos pelos estabilizadores automáticos e estes  são aqui nulos.

O gráfico seguinte mostra a medida para a Itália e compara-a com a mesma medida para as “economias avançadas”.

Um resultado positivo indica uma posição de contração [ pois as receitas que no nível de produção considerada seriam  obtidas pelo Estado são superiores às despesas que o Estado efetuaria no quadro da mesma hipotética situação económica]  .

A austeridade severa imposta como parte do processo de convergência no final da década de 1990 é clara, o que matou o crescimento económico e amarrou  a Itália à distopia do elevado endividamento e do baixo crescimento.

Mesmo durante a Grande Crise Financeira,  o governo italiano ainda estava a aplicar  uma politica de  contração discricionária e essa posição  foi  intensificada no  período subsequente.

É difícil ver a economia italiana crescer a uma taxa sensata e suficiente para reduzir os seus elevados níveis de desemprego com esta posição fiscal.

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Conclusão

Enquanto a Comissão Europeia está a tentar intimidar a Itália para que “cumpra as regras”, o ponto óbvio é que as regras são enviesadas e contra  a prosperidade.As sociedades humanas não podem suportar uma austeridade prolongada nem as patologias que a acompanham (desemprego elevado, aumento da pobreza, salários baixos, rutura social). A juventude italiana enfrenta um futuro sombrio se esta situação se mantiver.

Para aliviar a crise, que virá à medida que os mercados obrigacionistas aumentarem os rendimentos que se está disposto  a pagar para assumir a dívida do governo italiano, o BCE terá de intervir, tal como fez em Junho de 2012, quando surgiu uma situação semelhante.

A forma como essa intervenção é construída – o “spin” – não alterará a realidade.

A única coisa entre a insolvência italiana e a continuação na zona euro será o banco central.

As incertezas residem no papel que a Comissão irá desempenhar no “jogo da galinha ” e se persist6e a bravata italiana.

Espero que o Governo italiano mantenha a sua posição e obrigue a Comissão a uma retirada embaraçosa.

A Itália precisa atualmente de um défice muito superior a 2,4%, mas mesmo a proposta orçamental  do Governo para 2019 é melhor do que a que a Comissão está a exigir.

Esta última deve saber que as suas exigências estão a forçar a Itália à recessão. Para eles, a ideologia e a “disciplina” estão privilegiadamente acima de tudo  – mesmo acima dos países que constituem a zona euro.


O oitavo texto desta série será publicado amanhã, 04/12/2019, 22h


Tradução de Júlio Marques Mota

Fonte aqui

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