UMA CARTA DO PORTO – Por José Fernando Magalhães (130) Reposição + Conversas em Surdina

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12 de Maio de 2016

BAI NO BATALHA

Esta expressão, genuína e tipicamente tripeira, já só se ouve da boca dos habitantes entrados, ou quase, na terceira idade. Como essa, ouvia-se amiúde uma outra, também com a mesma referência: “Pois… e o dezassete vai para a Batalha e o arroz é p’rá canalha”.

E a realidade é que o dezassete (1) já não vai para a Batalha, o arroz continua a poder ser para a canalha, e já nada vai no Batalha.

E o Batalha foi um dos principais cinemas da cidade do Porto.

Teatros como o S. João e o Sá da Bandeira, e outros já de há muito desaparecidos como o Baquet e o Príncipe Real, e cinemas como o Olímpia, o Trindade, o Rivoli, o Águia d’Ouro, o Coliseu e, claro, o Batalha, apresentavam nos seus palcos os mais famosos actores da altura e nos seus ecrãs estreavam as mais recentes novidades do cinema, fazendo as delícias de algumas, muitas, gerações.

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Foram muitas as tardes e noites que passei no Batalha. Foram muitos os filmes que vi e que me fizeram sonhar. Era boa a vida de quem gostava de filmes e podia ir ao cinema. Era boa e pacata a “trabalheira” que dava, ainda em casa, o vasculhar o jornal à procura de um filme para ir ver, e o saber em que sala ele estava. Hoje tudo é diferente, há um ou dois sítios para ir ao cinema e a oferta é enorme, com as salas todas juntas e a decisão, sem qualquer charme, feita em cima do joelho.

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Da autoria do arquitecto Artur Andrade, a sala do cinema Batalha tinha 1082 lugares e foi inaugurada em 3 de Junho de 1947, vindo substituir a sala de cinema, com o mesmo nome, que lá existia. Durou cinquenta e três anos, aguentando as portas abertas até que a construção dos novos shoppings, nos finais do século XX, transferiu os espectadores para as novas salas de cinema. Uma a uma, as salas de cinema, tradicionais, desapareciam da cidade do Porto.

Propriedade da empresa Neves & Pascaud, encerrou, no Verão do ano 2000, por falta de espectadores, reabrindo por muito pouco tempo, em Maio de 2006, por meio de um arrendamento ao Gabinete Comércio Vivo (uma parceria entre a Câmara Municipal do Porto e a Associação de Comerciantes do Porto) (2), com 935 lugares e novos espaços onde se incluíam dois bares, um restaurante e uma esplanada no terraço, mantendo a Sala Bébé (3) com cerca de 100 lugares.

Em 31 de Dezembro de 2010, o Gabinete Comércio Vivo entregou as chaves aos proprietários, no último dia do contrato de gestão.

Em 2012, o cinema Batalha foi classificado como monumento de interesse público.

Hoje, está fechado e sem destino algum que se conheça!

Precisam-se, vontades, ideias e projectos para o Cinema Batalha. Assim é que não pode continuar!

SALÃO HIGH LIFE
SALÃO HIGH LIFE

 

O Salão High-Life, depois de ter passado pela Boavista e pela Cordoaria, mudou-se em 29 de Fevereiro de 1908 para a sua morada definitiva, na Praça da Batalha.

O novo edifício, de pedra e cal (anteriormente não era mais que um barracão de madeira), com uma magnífica fachada, transformou-se de imediato num sucesso, passando a ser considerado um cinema de prestígio.

Foi durante muitos anos um dos maiores cinemas da cidade do Porto. Em 1913 adopta o nome definitivo de “Cinema Batalha”. A sua capacidade de atrair público manteve-se constante durante os 38 anos da sua existência. Em 1946 foi demolido para dar lugar ao novo Cinema Batalha.

Aquando da inauguração do novo Cinema Batalha, a nova casa de espectáculos apresentava-se ornamentada com várias obras de arte, tais como, um baixo-relevo na fachada, da autoria de Américo Braga, um grande fresco numa das paredes do patamar que dá para a cave, da autoria de Júlio Pomar, e trabalhos ornamentais de António Sampaio, Arlindo Gonçalves e Augusto Gomes. Algumas das obras estavam ainda por acabar, nomeadamente os frescos de Júlio Pomar. Este, só retomaria e acabaria os seus trabalhos após ser libertado de Caxias, onde se encontrava preso.

FRESCO DE JÚLIO POMAR CINEMA BATALHA (retirado do blogue RUAS DA MINHA TERRA) Fotografia da autoria de Ernesto de Sousa
FRESCO DE JÚLIO POMAR
CINEMA BATALHA
(retirado do blogue RUAS DA MINHA TERRA)
Fotografia da autoria de Ernesto de Sousa
FRESCO DE JÚLIO POMAR CINEMA BATALHA (retirado do blogue RUAS DA MINHA TERRA) Fotografia da autoria de Ernesto de Sousa
FRESCO DE JÚLIO POMAR
CINEMA BATALHA
(retirado do blogue RUAS DA MINHA TERRA)
Fotografia da autoria de Ernesto de Sousa
FRESCO DE JÚLIO POMAR CINEMA BATALHA (retirado do blogue RUAS DA MINHA TERRA) Fotografia da autoria de Ernesto de Sousa
FRESCO DE JÚLIO POMAR
CINEMA BATALHA
(retirado do blogue RUAS DA MINHA TERRA)
Fotografia da autoria de Ernesto de Sousa

No ano seguinte, 1948, foi dada ordem para que esses frescos fossem ocultados. e que no baixo-relevo da fachada a ceifeira (figura alegórica da Agricultura) ficasse sem foice e o operário (figura alegórica da Indústria) sem o martelo. O fresco, que levou mais do que uma cobertura para que fosse ocultado, primeiro de tinta e depois de cimento, está hoje, creio, irrecuperável. Tinha como tema a festa de S. João, e era uma pintura realista, rica em cor, com figuras de adultos e de crianças em movimento, com balões, tambores, etc.

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A ordem viera do então Presidente da Câmara Municipal do Porto, Dr. Luís de Pina, que teria considerado as obras subversivas. Não nos podemos esquecer que se viviam momentos de grande repressão relativamente à candidatura do General Norton de Matos à Presidência da República, que iria disputar o cargo, em 1949, com o Marechal Óscar Carmona (Presidente da República desde o 28 de Maio de 1926).

O novo Cinema Batalha ficou, também, ligado à criação do Cine-Clube do Porto.

 

(1)- Ou o dezasseis, referência às carreiras do eléctrico cuja linha tinha o seu término na Praça da Batalha, esta vinda de Matosinhos (Mercado), e a outra vinda da Foz (Castelo de S. João Baptista da Foz do Douro), e que tinham percurso comum a partir do “Castelo do Queijo”.

(2)- O Gabinete Comércio Vivo foi criado para gerir os cinco milhões de euros que grupo Amorim disponibilizou como compensação aos comerciantes da cidade pela inclusão de um “shopping” no Plano de Pormenor da Antas.

(3)- A sala-estúdio “Sala Bébé” nasceu em 1974, na cave do cinema Batalha, no lugar do antigo bar/cafetaria, e aquando da reabertura do cinema, em 2006, era a única sala do cinema que tinha uma cabine de projecção com um projector de 35mm, mas, muito velho, já que datava da primeira metade do século XX.

 

CONVERSAS EM SURDINA

Abriu a Caça ao voto

 

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3 Comments

  1. É pena os desaires que se cometem em nome da Política… Em Lisboa também se cometem este tipo de vandalismo… E, se a causa é “salas vazias” os cinemas dos Centros Comerciais também estão às moscas. A última vez que fui ao cinema com a minha neta, não havia 10 pessoas na sala…

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