UMA CARTA DO PORTO – Por José Fernando Magalhães (132) – Reposição + Conversas em Surdina 6

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2 de Junho de 2016

PRAÇA DE D. JOÃO I

O nome desta praça, localizada na freguesia de Santo Ildefonso, homenageia El-Rei D. João I (1358-1433), décimo rei de Portugal, e o primeiro da dinastia de Avis, a quem o Porto muito deve, que casou em 1387, na cidade do Porto, com D. Filipa de Lencastre (1360-1415), princesa inglesa da Casa de Lancaster.

Os filhos destes Monarcas seriam lembrados como a “ínclita geração” (Luís de Camões em “Os Lusíadas” – Canto IV).

“Mas, pera defensão dos Lusitanos,

Deixou, quem o levou, quem governasse

E aumentasse a terra mais que dantes:

Ínclita geração, altos Infantes.”

Foram eles, os Infantes D. Duarte (1391-1438) – que foi rei de Portugal (1433-1438), D. Pedro – Duque de Coimbra (1392-1449), D. Henrique, – Duque de Viseu (1394-1460) nascido no Porto e conhecido como “Henrique, O Navegador”, D. Isabel – Duquesa da Borgonha (1397-1471) – casada com Filipe III, Duque da Borgonha, D. João(1400-1442), e D. Fernando – o Infante Santo (1402-1433), que faleceu como refém no cativeiro muçulmano em Fez, após a recusa do Infante D. Henrique em devolver Ceuta, tendo sido sacrificado aos interesses do país.

Praça-D.-João-I--Norte---Sul---Poente
Praça-D.-João-I–Norte—Sul—Poente

Esta Praça, hoje despida e árida, servindo desta forma os interesses económicos do Município (que a aluga amiudadas vezes), foi um dia bonita, interessante e com personalidade (durante as obras que a descaracterizaram poderia, ao invés, ter sido feita uma “simbiose” entre as duas soluções, a antiga e a actual, digo eu!).

A Praça tinha, ao centro, uma fonte rodeada por uma rosa-dos-ventos, que eram ladeados pelo Teatro Rivoli

Praça D João I - Como era Blogue meuspostais-canalblog
Praça D João I –
Como era
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(inaugurado em 1932 por sucessão e remodelação do Teatro Nacional  construído em 1913, agora adaptado ao cinema e com programação de ópera, dança, teatro e concertos),que hoje é Teatro Municipal (os frisos de escultura do edifício são da autoria de Henrique Moreira, e o projecto original, do Arquitecto e Engenheiro Júlio José de Brito, data de 1929. A última remodelação do Teatro, da autoria de Pedro Ramalho foi concluída em 1997),

RIVOLI FRISO DE HENRIQUE MOREIRA
RIVOLI
FRISO DE HENRIQUE MOREIRA

e por dois “enormes” prédios (um de cada lado da Praça) um dos quais, o “de baixo” (sul), foi chamado de “o Arranha-Céus” aquando da sua construção, sendo que o outro, o “de cima”, foi a sede do Banco Português do Atlântico, de Cupertino de Miranda.

O “Arranha Céus”, foi mandado construir por Maurício Carvalho de Macedo, natural de Amarante. O prédio inaugurado em Maio de 1945, era o mais alto de Portugal (só tinha nove pisos mas eram o suficiente para agarrar as estrelas) e foi desenhado pelos Arquitectos Rogério de Azevedo (o autor do edifício e da garagem de “O Comércio do Porto”), e Baltasar de Castro.

 O “Palácio Atlântico” (1951), assim se chama o prédio que foi sede do BPA, deve-se ao gabinete de Arquitectura ARS (arquitectos Fortunato Cabral, Cunha Leão e Morais Soares).

NESTA ESQUINA, FUNCIONAVA O RIALTO
NESTA ESQUINA, FUNCIONAVA O RIALTO

No “Arranha Céus”, funcionou um dos mais emblemáticos cafés da cidade do Porto, o Rialto – (1944-1972) – (no mesmo local onde hoje funciona o Banco Millenium).

O café Rialto, concebido por Artur Andrade, o arquitecto do cinema Batalha, tinha, na escadaria, um painel cerâmico de António Duarte e, murais, de Abel Salazar (carvão), e de Dordio Gomes (fresco – dois) e Guilherme Camarinha (fresco), que em boa hora o Millenium soube preservar (o carvão à vista de toda a gente, na parte do atendimento ao público no rés-do-chão, e os frescos na cave, no Clube BCP), e era frequentado por gente da cultura, da literatura e da arte. Nas décadas de 1950 e 1960, foi local de reunião de uma geração de escritores e poetas que se afirmava como contestatária do Estado Novo – António Rebordão Navarro, Egito Gonçalves, Daniel Filipe, José Augusto Seabra, Luís Veiga Leitão e Papiniano Carlos (este, responsável pela edição da revista de poesia “Notícias do Bloqueio”), e também de arquitectos, engenheiros, advogados, médicos, professores, artistas plásticos, actores, jornalistas etc., dada a proximidade do Ateneu Comercial e da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras, duas instituições de grande actividade cultural e política na cidade do Porto.

 

ABEL SALAZAR ALEGORIA AO CAFÉ CARVÃO
ABEL SALAZAR
ALEGORIA AO CAFÉ
CARVÃO
GUILHERME CAMARINHA FRESCO
GUILHERME CAMARINHA
FRESCO
DORDIO GOMES FRESCO
DORDIO GOMES
FRESCO
DORDIO GOMES FRESCO
DORDIO GOMES
FRESCO

 

 

 “António Fernandes Pinto, vendedor por conta própria” refere-se ao Rialto, desta forma:

“Como qualquer pessoa, que se preza, também tenho o meu “café”: um desses enormes “cafés” do Porto, com paredes de espelhos e a nota requintada de uns murais de Dordio, Camarinha e Abel Salazar. Fica no centro – o que é norma, aliás, numa cidade que persistentemente se recusa a ter vida para além dos limites da Baixa…” (1)

Ainda no mesmo edifício, ali funcionou aquela que era a melhor discoteca (loja de discos) da cidade. Chamava-se “Tubitek” (hoje renascida, mas sem a pujança de outrora). Tudo se conseguia lá arranjar, num tempo em que era muito difícil chegarem a Portugal as novidades discográficas, fossem elas de que género fossem.

Em frente ao “Palácio Atlântico” existem dois “Corcéis”, duas estátuas (inauguradas em 21 de Junho de 1957) do escultor João Fragoso, que olham para o “Arranha Céus”, do local de onde antes também viam a Fonte e a Rosa-dos-Ventos.

 

CORCÉIS JOAÕ FRAGOSO
CORCÉIS
JOAÕ FRAGOSO

Os Corcéis, esses, só lá foram parar como uma espécie de segunda escolha.

As estátuas que era suposto serem lá postas, eram as de El Rei D. João I e de sua mulher D. Filipa de Lencastre, mas o “Conselho de Estética Urbana” na sua apreciação de 20 de Fevereiro de 1950, a propósito de um projecto do “Edifício Atlântico”, que continha sugestões relativas ao arranjo da Praça de D. João I, desaconselha a colocação das estátuas dos progenitores da Ínclita Geração nas peanhas criadas “ad hoc” para “motivos decorativos”, por imprópria, não considerando admissível presumir homenagem corredia a tão grandes vultos da nossa história, apesar da boa intenção dela, porque não se admite que tais figuras sirvam de ornamento de uma Praça sem que elas sejam os principais motivos que aqui seriam muito secundários – Pr. Engº Guilherme Bonfim Barreiros. (2)

São, somente em Julho de 1954, aprovadas pela Comissão Administrativa, as bases para a realização de um concurso para a execução de dois motivos escultóricos destinados à Praça, a que vieram a concorrer vários escultores. Em Novembro de 1954, é homologada a decisão do Júri do Concurso, atribuindo o primeiro prémio à maqueta «Douro», de João Fragoso, o 2º à maqueta «Triunfo do Trabalho», de Henrique Moreira, e o 3º prémio à maqueta «Cidade, Trabalho do Homem», de Lagoa Henriques. (2)

 

Praça D. João I na actualidade - Blogue a vida em fotos
Praça D. João I na actualidade –
Blogue a vida em fotos

A Praça que se formou depois do “Arranha Céus”, e da construção do “Palácio Atlântico”, foi completamente redesenhada em 2001, integrada no Porto – Capital da Cultura. Escavou-se o subsolo para a construção de um parque de estacionamento, a fonte desapareceu do seu lugar (reapareceu em 2006 no jardim do Marquês), e da Rosa-dos-Ventos nada há a declarar, sumiu. Nem sempre as “modernices” valem a pena, muito menos se a nossa identidade for sacrificada a interesses (sejam eles quais forem).

(como curiosidade devo dizer que, cinquenta e três anos antes, em 13 de Junho de 1948,  tinha sido defendida pelo Presidente da Comissão Administrativa da Câmara do Porto, a ideia de aproveitar o espaço do subsolo para estacionamento de automóveis). (2)

 

CORCEL POENTE
CORCEL POENTE

(1)- A referência a António Fernandes Pinto, foi retirada do Blogue “Do Porto e não só”

(2)- José Guilherme Pinto de Abreu – A Escultura no Espaço Público do Porto  – UC 2012

 

Conversas em Surdina 6

Medos Angústias e Dúvidas

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