ANÁLISES SOBRE A CRISE, OLHARES SOBRE A EUROPA, OLHARES SOBRE O CRIME QUE CONTRA ESTA OS SEUS DIRIGENTES ESTÃO A COMETER

E agora é sobre a Alemanha que falamos, não sobre a Grécia, Espanha, Itália, Irlanda ou Portugal! Por Satyajit Das – III

(conclusão)

Um sistema de seguro de depósito credível teria de cobrir depósitos de particulares (dizem que até 100 mil euros), o que  corresponde a  72% de todos os depósitos, nos países periféricos. Isso implicaria um regime de seguro para cerca de 1.3 milhão de milhões de euros de depósitos.

Como se mencionou acima, no início de Junho de 2012, o governo espanhol procurou um apoio para obter 100 mil milhões da zona euro para recapitalizar os seus bancos. Um só anco espanhol  – Bankia – precisará de mais  de 19 mil milhões de capital novo. Até à data, incluindo as obrigações ligadas ao Bankia , o governo espanhol já injectou  33 mil milhões (3% do produto interno bruto)  nos bancos, excluindo os regimes de garantia de activos que tinham sido concedidos  aos compradores dos  bancos  resgatados. Dado que o Ministério da Economia espanhol diz  que  184 mil milhões em empréstimos para os  bancos  “problemáticos”, uma vez que a recapitalização adicional dos bancos de Espanha precisa pode atingir valores entre  200-300 mil milhões  em fundos adicionais (20-30% do PIB).

Qualquer sistema europeu de garantia dos depósitos, de provisão de capital ou de financiamento adicional dos bancos, potencialmente, aumentará a responsabilidade financeira da Alemanha.

Se a integração não é feita ou se as soluções parciais falham, então alguns países europeus terão de reestruturar a sua dívida e, potencialmente, poderão ter de deixar a moeda comum. A Alemanha sofreria perdas imediatas. Um incumprimento grego poderia resultar em perdas para a Alemanha num montante até cerca de 90 mil milhões de euros. As perdas potenciais da Alemanha aumentarão rapidamente e tanto mais quanto mais países entrarem em incumprimento ou abandonarem  a zona-euro. Quanto maior o atraso na declaração de incumprimento ou na saída da zona euro maiores serão as perdas alemãs tanto quanto aumenta a sua exposição.

Na ausência de um Lázaro  como programa de recuperação nas economias periféricas, a exposição  actual  da Alemanha não é  reembolsável. Se os actuais acordos se mantiverem ou se houver uma maior integração, o aumento das responsabilidades ou o  nível  de endividamento irá  absorver a poupança alemã, paralisando a sua  economia. Se a Alemanha quer abandonar a zona euro e passar a ter como moeda o marco, sofreria perdas equivalentes à sua exposição existente para como outros países europeus que não são susceptíveis de serem capazes de liquidar as suas posições ou passivos.

Há também efeitos na economia real. A austeridade ou incumprimento irá forçar muitas economias europeias a estarem em recessão por um período prolongado. As exportações alemãs serão afectadas dado que a parte da Europa nas suas exportações é de cerca de 60% do seu mercado, incluindo cerca de 40% dentro da zona-euro. No caso de dissolução da zona euro, as estimativas de crescimento alemão vão desde -1% a valores negativos abaixo dos -10%. Vale a pena lembrar que a economia alemã caiu em volume cerca de 5% em 2008, o pior resultado desde a Segunda Guerra Mundial, principalmente devido ao declínio das exportações.

Incumprimentos ou dissolução parcial da zona  euro teriam deixado os bancos alemães com perdas significativas, possivelmente a necessitarem  de apoio estatal. Isso levaria assim a que aumentasse ainda mais o passivo do Estado.

No caso de soluções de integração ou de soluções parciais, os efeitos sobre a Alemanha podem ser suavizados pela fraqueza do euro, que irá manter a competitividade das suas exportações. Mas o incumprimento e uma dissolução do euro irá resultar num aumento no valor do Euro, pelo menos no curto prazo, prejudicando as exportações alemãs.

A Alemanha está a ser  pressionada para dinamizar o seu crescimento económico para  com ele ajudar o resto da Europa servindo de locomotiva ao crescimento europeu . Este crescimento levá-la-ia obrigatoriamente a incorrer em défices orçamentais e a aumentar a sua própria dívida. Os aumentos salariais mais elevados aumentariam os custos e com eles  prejudicar-se-ia a  sua competitividade internacional, via preços. O aumento do consumo irá também reduzir a massa de  poupança necessária para se financiar, para financiar os seus bancos e para fornecer capital para o resto da Europa.

No passado, a Alemanha tem resistido aos esforços de incorrer em défices orçamentais e em aumentar o consumo interno para relançar a economia. Os princípios da disciplina orçamental, a prudência, uma moeda forte e uma desconfiança na finança, muitas vezes associada com a haus Swabian Frau, estão profundamente enraizados no DNA da nação.

Os problemas da Alemanha são susceptíveis de ser agravados por uma desaceleração nos mercados emergentes. O recente crescimento da Alemanha contou muito com a Ásia, a Europa de Leste e o Brasil. O fabricante de automóveis VW vendeu mais carros na China do que na Alemanha. A procura dos mercados emergentes para as máquinas de alta tecnologia industrial ajudaram e em muito  as exportações alemãs.

A posição da Alemanha nas negociações não é forte. Por exemplo, a Grécia deve cerca de 400 mil milhões a credores privados, mas tem estado a acrescer a sua dívida para com os  organismos públicos, tais como o FMI e o BCE, devido principalmente aos resgates financeeiros. Se a Grécia sai da zona euro  como alguns partidos políticos já ameaçaram, então os seus efeitos de repercussão  sobre os seus credores , como a Alemanha, são potencialmente calamitosos.

Dobrar as perdas …

Em 1999, o ministro das Finanças Theo Waigel proclamou que o euro seria como o Deutschemark alemão que estava em curso e iria  ser substituído pelo euro. No seu livro Fat Years: Why Germany Has a Brilliant Future (em co-autoria com o  Dirk Heilmann), Waigel admitia  que em termos de rendimento per capita a Alemanha se viria a tornar o país mais rico do mundo em 2030.

Agora, todo o projecto enfrenta uma crise inimaginável. Como Lorenzo Bini Smaghi, um italiano ex-membro do  conselho executivo do BCE, observou: “A hipótese era de que … não haveria crises.”

Como os partidos anti-austeridade  estão a ganhar terreno no resto da Europa, a vontade da Alemanha de  financiar mais resgates está a diminuir. De modo crescente, os alemães temem um compromisso sem fim para conseguirem preservar a moeda comum e a zona-euro. O ressentimento é evidente numa peça jornalística no popular tablóide Bild: “Vendam as vossas ilhas, oh, gregos falidos. E a Acrópole, enquanto estão é possível “. Mas pode ser tarde demais.

A tentativa da Alemanha de querer  equilibrar os benefícios da moeda única e as vantagens de preservar a zona-euro contra a sua tradicional preferência pelo seu conservadorismo em termos de política monetária e orçamental falhou, deixando o país com graves problemas financeiros que podem restringir o seu   crescimento futuro. Os valores brutais a que, em termos de risco, está exposta  são grandes, tanto em relação ao PIB da Alemanha, que é de cerca de 2.5 milhões de milhões de euros, como em relação ao valor dos  activos das famílias  alemãs, estimado em 4.7 milhões de milhões.

Os cidadãos alemães terão de pagar duas vezes para o euro. No início de 2000, eles pagaram através da desvalorização interna – a redução dos salários reais, desemprego e as reformas do mercado de trabalho, as famosas leis Hartz.  Agora, eles terão de pagar para os resgates. Uma vez que o boom artificial termine, os eleitores vão descobrir que eles foram traídos pela elite da Alemanha politicamente pró-Europa . Haverá uma revolta eleitoral e, como no resto da Europa, um forte desafio a partir das forças  políticas radicais com consequências imprevisíveis.

A história da Alemanha está cheia de inversões monumentais e extremas. No seu romance  Buddenbrooks escrito em 1901, sobre uma família abastada do Norte da Alemanha cuja fortuna estava  em declínio, Thomas Mann antecipava  a presente situação: “Eu sei que para o exterior, os sinais visíveis e tangíveis e os símbolos de felicidade e de realização, muitas vezes só aparecem quando na realidade, tudo já está começando a ir para baixo, de novo. Os sinais exteriores demoram a chegar – como a luz de uma estrela cujo brilho é mais forte quando está já a caminho de ser extinta, ou talvez  mesmo quando se está extinguir”.

Como Friedrich Nietzsche bem o sabia: “… a esperança é o pior de todos os males, porque prolonga os tormentos do homem.” A Alemanha não pode, como é largamente assumido, oferecer um refúgio seguro na crise da dívida europeia.

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