JARDINS DE POESIA
Que é que o Porto tem, que o transformou em poucos anos num destino privilegiado para milhares de pessoas? Já não tem só o vinho do Porto, o Património da Humanidade, um encanto decadente, e a sua maneira peculiar de falar. Hoje redescobrem, alguns Portuenses e quase todos os que nos visitam, a cada passo dado, as maravilhas da sua arquitectura, a antiga e a moderna, a sua movida, a sua gastronomia e a sua beleza paisagística.
Os jardins, lugares românticos, aprazíveis, de névoas poéticas e sombras protectoras, estão hoje, na sua maioria votados ao esquecimento dos Portuenses. Para além do Parque da Cidade, poucos jardins são frequentados com assiduidade.
O Porto já foi a cidade dos jardins, das flores e das camélias. As japoneiras abundavam, havia-as em cada canto ou esquina. Dos jardins, havia-os em cada metro quadrado de terreno disponível.
Frequentar os jardins era um hábito que os Tripeiros tinham e que entretanto perderam, que lhes dava prazer e divertimento.
Para mim, um dos mais belos e poéticos é o Jardim de S. Lázaro, na zona centro-oriental da cidade, mandado construir pelo Senhor D. Pedro IV, logo após o fim do Cerco do Porto, tendo-o dedicado às senhoras da cidade, como “lenitivo às agruras e sacrifícios que passaram” durante o tempo que durou o Cerco que opôs o Exército Liberal, comandado por D. Pedro, às tropas do regime absolutista, comandadas pelo seu irmão D. Miguel.
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O Jardim de S. Lázaro
S. Lázaro é o perfeito protótipo do jardim romântico, com um lago circular, ao centro, rodeado por caminhos e ladeado por um coreto, tílias e doze imponentes magnólias, cedros e uma palmeira, camélias e canteiros com flores rasteiras e diversas (o jardim possui algumas das árvores mais antigas da cidade), e uma belíssima fonte de mármore que veio da Sacristia do Convento de S. Domingos que hoje já não existe, e um conjunto de estátuas de que destaco o busto de bronze de António Carvalho da Silva, mais conhecido por Silva Porto (Porto, 11 de Novembro de 1850 – Lisboa 1893), tudo encerrado num gradeamento de ferro e fechado nos quatro cantos por portões (único do género na cidade), hoje abertos a qualquer hora.
A ladear o jardim, a nascente, encontramos a Biblioteca Municipal, a sul, o Colégio de N. Sª da Esperança e a Igreja dos Lázaros que lhe está associada, a norte, o largo do Ramadinho (que foi em tempos um local castiço da cidade) e a Praça dos Poveiros, a poente.
Junto ao jardim, viveu Camilo Castelo Branco e na casa ao lado habitou o poeta e tribuno Guilherme Braga (Porto , 22 de Março de 1845 – Porto, 26 de Julho de 1874).
Este lindíssimo jardim, teve uma época áurea, logo após a sua construção. Inaugurado parcialmente em 1834, no aniversário de D. Maria II, só será concluído em 1841 (na altura, tal como hoje, a falta de verbas era recorrente), provocou, com o seu aparecimento, a transferência da atracção domingueira dos Portuenses, das alamedas das Virtudes e das Fontaínhas, para este novo local. Acabaria por perder esse poder de atracção sobre a melhor Sociedade Portuense aquando do aparecimentos dos jardins da Cordoaria e do Palácio de Cristal.
Todos os Domingos o Coreto do jardim de S. Lázaro recebia as Bandas dos Regimentos que tocavam para os inúmeros assistentes.
Mas o jardim não era para todos, muito embora fosse Municipal. O acesso ao recinto estava condicionado a horários e era proibida a entrada de cães, mendigos de ambos os sexos, homens com carretos às costas, crianças sem acompanhamento e com menos de 10 anos e a todas as pessoas que não tivessem um traje decente.
Durante a semana, os Brasileiros (ricos comerciantes com negócios no Brasil), passavam as tardes no jardim, fazendo contas aos ganhos, fazendo negociatas e politiquices, e, aproveitando para catrapiscar as jovens do Recolhimento das Órfãs (hoje Colégio de N. Sª da Esperança).
Nesse período, muitos casamentos nasceram.
Era vê-los, e a elas (muito arranjadas e compostas), passeando-se ou sentados pelos bancos, que os havia em abundância, aos pares, deleitando a vista no “repuxo” do lago, ou no colo delas (factos superiormente descritos por Camilo nos “Anos de Prosa” e por Magalhães Bastos em “O Porto do Romantismo”).
Enfim, o jardim foi, em tempo idos dos séculos XIX e XX, um campo de batalhas de amor.
Hoje, é maioritariamente paradeiro de velhos de olhares perdidos e vazios, sítio de namoros tardios, e local de jogos vespertinos de sueca ou de transacções ilícitas ao cair da noite, muito embora a proximidade das Belas Artes (FBAUP) e da Biblioteca Municipal, lhe traga algum movimento acrescido durante os fins das manhãs e os meios das tardes, o que lhe permite ser, ainda hoje, um local movimentado, e um dos jardins mais frequentados da cidade.
O Coreto, esse, exceptuando uma ou outra vez num qualquer fim de semana estival, já quase não recebe ninguém!
Provavelmente ninguém o sabe, mas este jardim não se chama de S. Lázaro. Na realidade chama-se de Marques de Oliveira. Na placa toponímica que se encontra junto a um dos portões, diz que foi um pintor e que teria nascido em 1835 e falecido em 1909. Acontece que o pintor João Marques de Oliveira (Porto, 23 de Agosto de 1853 – Porto, 9 de Outubro de 1927), foi contemporâneo, amigo e uma autêntica alma-gêmea do pintor Silva Porto, ambos paisagistas e naturalistas, muito embora Silva Porto tenha acabado por ser nomeado Professor da Academia de Belas Artes de Lisboa, e Marques de Oliveira acabasse por assumir a cátedra na Academia Portuense de Belas Artes.
Assim, muito provavelmente, será este, e não o outro, que não descortino quem possa ser, o dono do nome do jardim que todos conhecemos como de S. Lázaro.
À atenção da Câmara Municipal do Porto, a devida correcção.
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O QUE VAI HAVENDO POR CÁ
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Por el jardin florescido ella reía y llorava – cojiendo flores y flores en el jardin de madrugada – já não leio há tantos anos Lorca que nem sei encontrar este belo poema que sabia de cor e já não sei e claro nem sequer escrever – Garcia Lorca há quantos anos não leio – e o índice é impossível de consultar – lamento ter deixado de ler poesia diariamente longos anos – mas foi assim – talvez, quem sabe, retome o vício que era tão bom
Obrigado por continuares a vir até aqui, e perderes tempo a comentar.
Bjs
Para mim, vir lê-lo é aprender…e sempre saio mais rica! Obrigada por isso.
Maria Mamede
Sou eu quem agradece a visita e o simpático comentário, Maria Mamede. É um prazer sabê-la por cá
Adoro este jardim que me devolve à infância, às manhãs de domingo a ouvir a banda no coreto, ao lado do avô Vieira. No Outono era frequente irmos até lá comer castanhas assadas, envoltas em papel de jornal, descascadas por ele com toda a ternura. “Quentes e boas!” Se eram…
No Verão era o tempo das corridas e de beber água da fonte de mármore. na Primavera a descoberta dos ninhos, a recolha de alguns pequenos pardalitos que procurávamos salvar. Quantas recordações deste jardim, de todas as estações e épocas da vida. Grata por o ter recuperado.
Maria Amélia Vieira
Sempre muito aprazível esta “viagem” pelas emoções de outrora num desafio revivalista. Só esta consciência militante poderá “acordar” tão belas memórias e revelar a paixão que o burgo exala.
Muito obrigada por me dar a conhecer a história do jardim da minha infância, onde brinquei com os meus primos, sob a atenção vigilante do meu avô. Fazíamos coroas com as folhas secas caídas das árvores, unindo-as com a ajuda dos fósforos usados que se iam encontrando pelo chão. Depois, colocávamo-las a emoldurar as nossas cabeças e corríamos. Adorávamos subir e descer os degraus da estátua de Marques de Oliveira, da autoria de Soares dos Reis (cf. informação em https://corpopublico.wordpress.com/edicao-2008_09/turma-iii/mapa-gulliver/elementos-de-expressao-artistica/esculturas/ ) e também gostávamos de olhar o lago, à procura de ver os peixes vermelhos que por lá nadavam. E, nos dias mais quentes, encarrapitávamo-nos na fonte de mármore, muito alta para nós, para conseguirmos beber das bicas a sua água refrescante.