
Seleção e tradução de Júlio Marques Mota
Parte III – A finança ao serviço da sociedade e não a sociedade ao serviço da finança.

1. O trilema bancário da Europa (5ª parte)
Porque é que a reforma do sistema bancário é essencial para uma União Bancária bem sucedida
Um texto editado por Finance Watch com o apoio da Fundação Hans-Böckler, setembro de 2013. Autores: Duncan Lindo e Katarzyna Hanula-Bobbitt. Editores: Thierry Philipponnat e Greg Ford
(5ª parte)
2. Análise do TrilemaBloqueando o mecanismo de recuperação e resolução. Como é que as instituições financeiras demasiado grandes para falir são também demasiado grandes para resolver. |
A falência de bancos continua periodicamente
Esta seção questiona se a Europa está realmente perante o trilema bancário apresentado na introdução. A resposta que damos é: sim, porque os maiores bancos de hoje, se não forem profundamente modificados, não conseguirão passar pelo mecanismo de recuperação e resolução. Vale a pena notar desde o início que não há dúvida que as falências bancárias, inclusive entre os maiores bancos, continuam a ser possíveis. De facto, as falências bancárias continuam a verificar-se periodicamente e esta seção descreve algumas experiências recentes para ilustrar as suas posições.
A história tem-nos mostrado que os sistemas bancários privados estão sujeitos a falências bancárias e a crises bancárias ocasionais. A análise de 2008 de Reinhard e Rogoff ilustra isso durante um longo período. Os governos enfrentam uma escolha. Eles podem tentar reduzir a incidência da crise bancária através de controlos sobre as atividades dos bancos, como conseguiram em grande parte com a regulamentação da década de 1930 que durou até aos anos 1970-1980. Ou podem tentar absorver os efeitos das crises, como o tentaram fazer desde então.
Os decisores políticos esperam que os planos de recuperação e resolução protegerão a sociedade das falências dos bancos
A esperança dos governos e reguladores europeus é que um processo robusto de recuperação e resolução protegerá a sociedade das falências bancárias. O objetivo principal é absorver o impacto da falência bancária. A absorção do impacto da falência é alcançada de duas maneiras principais: a) evitando o risco sistémico através da salvaguarda dos depósitos e dos sistemas de pagamentos, por exemplo transferindo essas atividades para uma entidade bancária saudável; b) repartindo as perdas para os credores (e, portanto, não para os contribuintes). Em geral, o primeiro objetivo é alcançado por ferramentas de resolução, tais como Bridge Institution Tool, Asset Separation Tool, Sale of Business Tool e o segundo objetivo via instrumentos como as ferramentas de resgate interno, dito bail-in.
Os bancos too-big-to-fail bloquearão o mecanismo de resolução
O problema deste plano é que, enquanto isso pode funcionar para pequenos bancos comerciais, parece muito improvável que ele possa funcionar com os grandes bancos, mais complexos e mais interligados com os outros bancos, como iremos ver neste capítulo e no seguinte. Como as coisas “aparecem”, em particular para os investidores em bancos, é um elemento fundamental para se fazer com que a resolução funcione. Estas ferramentas ou mecanismos não conseguem lidar com os problemas em mãos, por muito robustas que possam parecer antes das crises. Não será possível passar um banco muito grande, muito complexo, muito interligado a outros bancos, subcapitalizado, sobrealavancado (ou muito pior ainda, se forem vários deles) através de um mecanismo de resolução num curto espaço de tempo e no meio de uma crise. O mecanismo de resolução vai ficar bloqueado e desfazer-se. Em particular, fá-lo-á de duas maneiras: primeiro, devido à complexidade dos maiores bancos; em segundo lugar, talvez mais fundamentalmente, por causa do receio de que a passagem de grandes perdas concentradas no sistema financeiro, através da resolução e do resgate interno, dito bail-in, prejudique o primeiro objetivo, ou seja, evitar riscos sistémicos.
As leis de resolução não serão suficientes – a economia das crises dos bancos tem que mudar
Dito de outra forma, novas leis sobre resolução não enfrentam diretamente as atividades dos bancos o que os torna difíceis ou impossíveis de resolver rapidamente. Ao mesmo tempo, mesmo sem essas leis, as autoridades europeias sentiram-se capazes de impor prejuízos aos credores, embora menos do que o previsto no âmbito de um regime pleno de resgate interno, como aconteceu por exemplo na Holanda com a falência do SNS REAAL. No entanto, o caso REAAL SNS também ilustrou que, embora possa não haver obstáculos “legais”, ainda existem obstáculos “económicos” à imposição de todas as perdas aos credores – os contribuintes ainda pagaram perdas. Simplesmente implantar uma nova lei de resolução não será suficiente: evitar resgates pelo contribuinte no futuro requer a mudança na economia das crises bancárias. Assim, para fazer funcionar a resolução exige, em algum grau, controlar as atividades e a forma dos bancos [9].
Ferramentas de resolução – absorção do risco sistémico, a distribuição das perdas
A resolução tem por objetivo proteger os depositantes e alocar as perdas para longe do contribuinte
As ferramentas de resolução são os mecanismos pelos quais a legislação visa resolver os bancos em situação de falência sem desencadear problemas para o sistema financeiro e económico em sentido amplo – ou seja, de forma que minimize ou absorva a falência do banco para evitar que haja “risco sistémico”. Pretende-se que a resolução seja ativada um momento antes da insolvência poder ser declarada – e destina-se a um específico regime bancário que permite às autoridades intervir sem desencadear a insolvência. A insolvência deve ser evitada porque, para além e apesar das diferenças nacionais, a insolvência interrompe normalmente todos os pagamentos para o banco e do banco para fora; para um banco de depósitos uma tal cessação de pagamentos implicaria consideráveis riscos sistémicos. Como já foi visto, isto é, em primeiro lugar e fundamentalmente, devido à importância do dinheiro do crédito bancário.
A diretiva relativa à recuperação e resolução (DRRB) de bancos visa lançar um conjunto harmonizado de ferramentas para as autoridades de resolução em toda a Europa. O duplo objetivo das ferramentas de resolução é, em primeiro lugar, proteger o sistema económico, principalmente através da salvaguarda de depósitos, por exemplo, movendo-os para outro lugar, e em segundo lugar, alocar as perdas aos credores e não aos contribuintes. Um conjunto de ferramentas de resolução está disponível para a autoridade de resolução; este conjunto de ferramentas pode ser genericamente dividido em duas categorias (embora haja alguma interação).
O primeiro conjunto inclui ferramentas como a ferramenta de separação de ativos, a ferramenta da instituição de ponte [n.t., instituição criada pelo regulador nacional para gerir o banco falido até ser encontrado um comprador] e a ferramenta de venda de respetivo banco. A preferência do depositante também se enquadra nesta categoria. Eles visam genericamente colocar os depósitos em segurança, geralmente em algum tipo de “banco bom”. Em segundo lugar, o kit de ferramentas de resolução inclui o resgate interno. O objetivo aqui é permitir que as autoridades, mesmo na ausência de insolvência oficial, atribuam as perdas aos credores e não aos contribuintes. Pode-se ver que o kit de ferramentas de resolução é, por conseguinte, uma peça essencial do quebra-cabeça que é a regulação na tentativa de atingir os dois objetivos citados, de ter os depósitos sem risco e de não ter nenhum resgate pago pelos contribuintes. O diagrama a seguir ilustra como as ferramentas de resolução correspondem assim ao duplo objetivo, de depósitos sem risco e sem resgate de contribuintes.
Bancos demasiado grandes e demasiado interligados colocam estes dois objetivos em conflito
Porque é que, então, neste artigo se argumenta que a Europa enfrenta um trilema e não um dilema? O problema quanto às ferramentas de resolução decorre principalmente dos bancos demasiado grandes para falirem e é um duplo problema. Em primeiro lugar, os bancos demasiados grandes e demasiado interligados colocam os dois objetivos em conflito. Em segundo lugar, numa crise, as coisas devem ser alcançadas rapidamente e a complexidade dos bancos maiores e mais interligados impede uma resolução rápida: bancos muito complexos serão ingeríveis no calor de uma crise.
O nosso relatório sobre a proposta de Recuperação e Resolução de Bancos da Comissão Europeia [10] destaca três formas interligadas, nas quais o mecanismo de recuperação e resolução pode ficar atolado: se a resolução for tentada para um banco que seja demasiado grande para falir, demasiado interligado para falir, e também demasiado complexo para falir. Trabalhando sobre estas três categorias mostra-se como é que os bancos demasiado grandes para falir (tomados como um “banco global”) leva a que os dois objetivos de resolução (o credor paga e nenhum risco sistémico) fiquem em conflito.
(continua)
Finance Watch, Europe’s banking trilemma. Why banking reform is essential for a successful Banking Union. Texto disponível em: http://www.finance-watch.org/our-work/publications/687-europe-banking-trilemma
Notas
[9] A legislação até agora só fez tentativas de iniciar a reforma dos bancos europeus. As iniciativas que poderiam ter ido mais longe incluiriam os esforços para: conceder poderes amplos às autoridades para agir sobre o processo de recuperação e planeamento de resolução; separar as atividades de banco comercial das atividades de banco de investimento; aumentar e simplificar os requisitos de capital e impor limites significativos à alavancagem. Além disso, ainda estamos a aguardar por medidas adicionais para acabar com os bancos demasiados grandes, demasiado interligados, demasiado complexos para poderem falir (ou gerir ou supervisionar ou regular).
[10] Data de publicação: 18 de março de 2013. Disponível em: http://www.finance-watch.org/publications/537-brr-report