Dos conhecimentos básicos em finança à opacidade e complexidade do mundo financeirizado – Uma exposição e uma análise crítica. Parte III – A finança ao serviço da sociedade e não a sociedade ao serviço da finança – 1. O trilema bancário da Europa (7ª parte). Por Finance Watch

Jan Brueghel the Younger Satire on Tulip Mania c 1640
Jan Brueghel the Younger, Satire on Tulip Mania, c. 1640

Seleção e tradução de Júlio Marques Mota

Parte III – A finança ao serviço da sociedade e não a sociedade ao serviço da finança.

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Cascatas do Roški Slap, Krka National Park, Croácia

1. O trilema bancário da Europa (7ª parte)

Porque é que a reforma do sistema bancário é essencial para uma União Bancária bem sucedida

Um texto editado por Finance Watch com o apoio da Fundação Hans-Böckler, setembro de 2013. Autores: Duncan Lindo e Katarzyna Hanula-Bobbitt. Editores: Thierry Philipponnat e Greg Ford

 

 

(7ª parte)

 

2. Análise do Trilema 

Bloqueando o mecanismo de recuperação e resolução. Como é que as instituições financeiras demasiado grandes para falir são também demasiado grandes para resolver. (continuação)

(…)

Demasiado-grande-para-falir

Como foi acima explicado acima, no caso de uma falência bancária os mecanismos da diretiva DRRB procuram impor perdas sobre aqueles que detêm as responsabilidades sobre o banco falido. Simplificando, quanto maior for a importância do banco falido relativamente ao resto da economia, maiores serão as perdas a serem impostas, maior será o risco de problemas sistémicos, menos provável será que o mecanismo DRRB tenha êxito em evitar os problemas sistémicos e mais provável será que os contribuintes sejam chamados a evitar as perdas. Quanto menor for o banco falido relativamente ao resto da economia, menores serão as perdas que devem ser absorvidas.

As reformas devem ter por objetivo reduzir o tamanho dos bancos e o tamanho do conjunto do sistema financeiro, e aumentar a diversidade

O ponto fundamental não é mais complicado do que os princípios da diversidade que regeram as finanças desde os anos 1950 (Markovitz, 1952). Para um determinado tamanho do setor bancário como um todo, e assumindo correlações padrão menores que 1, depois maiores, os bancos mais pequenos impõem um menor risco sistémico do que impõem poucos bancos maiores (sobretudo, como se indicou acima, se os bancos menos pequenos se tornarem cada vez mais parecidos, isto é, em que as correlações por incumprimento aumentam). A implicação do ponto de vista da política económica é clara: as reformas para melhorar a eficácia dos mecanismos DRRB devem visar reduzir o tamanho dos bancos (e torná-los menos semelhantes).

Além disso, o conjunto do setor bancário tem-se tornado igualmente demasiado-grande-para-falir. Mantendo o número de instituições constantes e variando o tamanho do setor financeiro em relação ao resto da economia: uma única falência bancária num sistema financeiro maior impõe mais perdas no resto da economia e aumenta o risco sistémico. E vice-versa. As reformas que reduzem o tamanho total do sistema financeiro reduzem o risco sistémico que ele representa e aumentam a probabilidade de os mecanismos DRRB funcionarem com sucesso.

Total dos ativos dos maiores bancos europeus em relação ao PIB nacional e ao PIB da UE (fonte: HLEG 2012)

A tabela abaixo mostra os ativos totais dos bancos globais estrategicamente importantes da Europa (Global Strategically Important Banks- G-SIB), de acordo com a metodologia do Comité/FSB de Basileia. Pode-se ver que os ativos totais desses bancos representam uma proporção significativa do PIB anual do país respetivo e, na verdade, também da UE. Para que as economias da Europa absorvam perdas equivalentes até 5% dos ativos destes bancos isso significaria uma enorme perturbação económica e social.

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Demasiado complexo para resolver ou resgatar

A complexidade é a terceira dimensão a ser discutida. Como foi visto ao longo deste relatório, um conjunto claro de regras ex ante sobre a recuperação e resolução pode ser uma vantagem para lidar com a complexidade. No entanto, além de um certo ponto, é provável que os maiores e mais complexos bancos impeçam realmente que o mecanismo de resolução funcione – há um limite para o que o mecanismo de resolução possa fazer por si só.

Os resgates de bancos complexos são difíceis e pouco transparentes

Até agora, durante a crise, como foi visto acima, os resgates feitos pelo contribuinte (bail-out), foram resgates pontuais, feitos ad-hoc, o que, para os bancos complexos de hoje, leva a dificuldades na transparência e na responsabilização. A iniciativa de uma auditoria cidadã sobre a dívida de Portugal (iniciativa para uma auditoria cidadã – IAC) salienta que o Banco Português de Negócios (BPN) foi nacionalizado e resgatado pelo Estado, mas com apenas 1,5% dos ativos bancários totais de Portugal e apenas com 2% do total dos depósitos em Portugal, é muito difícil ver como é que o BPN pode ser classificado como banco sistémico. A referida auditoria argumenta que a falta de transparência e de responsabilização no processo de resolução significa que é difícil compreender que responsabilidades ou passivos do BPN foram cumpridos, que ativos foram considerados sem valor ou anulados -um estado de coisas que não é do interesse público. Regras ex ante claras e aplicadas por uma autoridade de resolução responsável e transparente ajudariam numa situação como esta.

Para lá de um certo ponto, a complexidade torna-se um obstáculo à resolução. Dito de forma simples, os bancos mais complexos são mais difíceis de resolver. Para um determinado conjunto de ferramentas de resolução, a redução da complexidade aumenta a probabilidade de evitar riscos sistémicos com êxito. Mais uma vez, graças à mudança nas suas atividades, os bancos maiores e mais interligados também são os bancos mais complexos.

Os maiores bancos da Europa e dos EUA são similarmente complexos

Como destacámos no nosso relatório anterior, Lehman Brothers, por exemplo, tinha mais de 3000 entidades jurídicas (Moya, 2009); mesmo dois anos após o colapso, havia vários milhares de funcionários gestores que ainda estavam a trabalhar “tentando deslindar os negócios complicados de um, em tempos, titã da alta finança” (Treanor, 2010). Nos Estados Unidos, o Lehman Brothers demorou 3 e meio para sair da alçada do estatuto do capítulo 11, sobre bancarrotas. (Alvarez & Marsal, 2012).

Na Europa, parece que os maiores bancos operam a um nível semelhante de complexidade. Ao nível da anedota, por exemplo, um exercício recente de “um plano de contingência face à crise (“Living Will”) no Deutsche Bank revelou a existência de mais de 2000 entidades jurídicas com insuficiente conhecimento centralizado sobre estas mesmas entidades; uma situação que, aparentemente, levou o Deutsche Bank a decidir-se a simplificar a sua estrutura legal. Esforços para resolver o grupo Dexia também provaram ser complexos, caros e demorados. Há pelo menos 3 dimensões para esta complexidade (The Lawyer, 2013). Em primeiro lugar, isto envolveu vários Estados-Membros – logo no início de 2008 Dexia beneficiou da sua primeira recapitalização estatal pela França, pela Bélgica e pelo Luxemburgo (Brierley, 2013). Em segundo lugar, era demorado – só a investigação para desbloquear o auxílio estatal levou 16 meses (The Lawyer, 2013). Enquanto isso, o primeiro resgate externo o (bail-out) foi em 2008 e o segundo em janeiro de 2013 (Brierley, 2013). «Em terceiro lugar, a resolução envolveu uma mistura de remédios singularmente complexa, incluindo a nacionalização (de Belfius), desinvestimentos (de Dexia Asset Management, Crediop, Denizbank), o estabelecimento de um banco de desenvolvimento (através de DMA em França), a resolução ordenada do grupo residual e também um conjunto de compromissos comportamentais.» (The Lawyer, 2013). Além disso, o caso ainda não está resolvido. A decisão de desbloquear os auxílios estatais baseava-se na aprovação de um novo plano de resolução, incluindo EUR85 mil milhões de garantias estatais (Comissão Europeia, 2012).

Note-se que os bancos que são demasiado complexos para resolver também se estão cada vez mais a revelar como demasiado complexos para gerir, como se prova pelo excesso de práticas desonestas provocadas por operadores de mercado (salas de mercado dos bancos), incluindo as perdas provocadas pelo operadorBruno Iksil, alcunhado de “a Baleia” (que operava nas salas de mercado de JPMorgan)[17]; igualmente estes bancos são demasiado complexos para regular e supervisionar[18].

É dificilmente crível que a resolução destes bancos se possa conseguir num fim-de-semana

Um mecanismo de resolução que tente, no meio de uma crise bancária, resolver uma dessas instituições incrivelmente grandes e complexas, certamente ficará bloqueado e, em seguida, falhará. É pouco credível que a resolução possa ser conseguida, por exemplo, durante um fim-de-semana, de modo a que as máquinas ATMs e os sistemas de pagamento possam abrir numa manhã de segunda-feira com todas os restantes problemas que estavam na base da corrida aos bancos já resolvidos. A credibilidade dos mecanismos de resolução é crucial: se o mecanismo de resolução não for credível antes de uma crise começar, então a resolução não enfrentará os perigos morais e o subsídio de financiamento que alimenta as atividades de mercado financeiro dos bancos e que os torna demasiado grandes, demasiado interligados, demasiado complexos a dificultar qualquer hipótese de resolução.

 

Em síntese

A parte 1 deste relatório mostrou que as atividades dos maiores bancos mudaram nos últimos 25 anos. A mudança nas atividades destes bancos levou-os a tornarem-se demasiado-grandes, demasiado-interligados, demasiado-complexos para falirem. Mas esses fatores também provavelmente os deixarão demasiado-grandes, demasiado-interligados, demasiado-complexos para resolver. As ferramentas de resolução visam colocar os depósitos em situação de segurança e, em seguida, aplicar perdas aos credores. Mas os mecanismos de resgate interno que forçam a grandes perdas concentradas no resto do sistema financeiro são suscetíveis de serem igualmente tão perigosos e intragáveis como o foram desde 2008 a 2013. O medo do risco sistémico é provável que comprometa o objetivo de fazer os credores pagar e, como resultado, a resolução de grandes bancos é muito provável que exija consideráveis recursos públicos.

Um mecanismo robusto de recuperação e resolução é um passo muito importante na mudança para uma situação em que os contribuintes não paguem o resgate e os credores bancários o façam. Mas isto não é suficiente. Na realidade, a Europa está perante um trilema: não pode haver depósitos sem risco, não pode deixar de haver resgates pelos contribuintes e não pode regulação bancária eficaz se não se mudarem as atuais formas e as atividades dos bancos. A análise das partes 1 & 2 demonstrou que a menos que a regulamentação comece a abordar e resolver o problema dos bancos demasiado grandes, demasiado complexos e demasiado interligados, um mecanismo de recuperação e resolução não será credível. A credibilidade é crucial para o mecanismo de resolução se com este se quer eliminar o subsídio de financiamento às atividades de mercado que impedem o funcionamento do mecanismo de resolução. A seguir discutiremos as reformas complementares que ajudarão a tornar os maiores bancos resolúveis e assim fazer com que a resolução, e em particular o resgate interno, seja credível.

 

 (continua)

Finance Watch, Europe’s banking trilemma. Why banking reform is essential for a successful Banking Union. Texto disponível em: http://www.finance-watch.org/our-work/publications/687-europe-banking-trilemma

 

Notas

[17] Uma ladainha continuada de operadores de mercado (especuladores)  desonestos e vendas abusivas  sugerem que uma gestão mais elevada de tais instituições simplesmente não pode compreender e muito menos controlar tais entidades tentaculares. Isso começou a ser refletido nos analistas bancários e acionistas ativistas que pediam aos bancos para se separarem, em termos de atividades, e de acabarem com tais abusos. (Migone, 2013) As implicações de tais apelos devem-se ao facto de que mesmo os benefícios privados de tal complexidade estão já a serem questionados, sem falarem das vantagens públicas. Haldane sublinha que os rácios de preços relativamente aos valores registados nos livros da banca estão abaixo de um, como também aconteceu nos anos 30. (2012)

[18] Como argumenta Andrew Haldane, os reguladores estão atualmente a lutar contra a complexidade com complexidade, talvez melhor demonstrado com a abordagem de Basileia III / CRD4, com a que alguns argumentaram que é impossível ser totalmente conforme devido a inconsistências e complexidade. Haldane argumenta: ” Ninguém combate o fogo com o fogo, da mesma forma que não se luta contra a complexidade com a complexidade.” (Haldane, 2012)

 

 

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