UMA CARTA DO PORTO – Por José Fernando Magalhães (325)

 

RAUL BRANDÃO FAZ 153 ANOS HOJE

Vou ser rápido. Não vos vou prender muito tempo com esta crónica, se bem que Raul Brandão bem que o merecesse, principalmente por estarmos a celebrar hoje o dia do seu aniversário.

Convenhamos que Raul Brandão foi para mim, e durante muitos anos, um bonito monumento do escultor Henrique Moreira, que eu via sempre que passava ou parava na Av. D. Carlos, que na altura eu conhecia bem pelo nome de “As Palmeiras”.

AVENIDA D. CARLOS

Passava a caminho do recém-inaugurado Minigolfe, ou parava nos fins de tarde ou começos da noite entre palmeiras, olhando o rio, seguindo o voo das gaivotas, apreciando o mar encapelado lá ao largo, ou limitando o meu olhar ao que dentro do carro, de vidros embaciados, eu queria ver.

Devo ao meu Amigo Joaquim Pinto da Silva a “descoberta” do escritor e do conterrâneo.

Não que desconhecesse que o homem tivesse sido militar, jornalista e escritor, que tivesse escrito “Os Pescadores”, que eu lera na adolescência por certo que sem a atenção devida, e que fosse também o autor do “Humos” e de muitos outras obras. Mas desconhecia-lhe a relevância literária, o percurso de vida, a queda para a pintura e para a arquitectura, e a importância para a Foz do Douro.

Até nem sabia, naquela altura, imagine-se, o significado das esculturas que, no Monumento, ladeiam a figura de Raul Brandão. 

 

ESCULTURA DO LADO NASCENTE

 

Agora já sei que a escultura do lado nascente tem a ver com “Os Pescadores”, e a do lado poente com “Os Pobres”. Dois dos livros do escritor.

Também não sabia que a “chamada” casa de Raul Brandão, era tão somente a casa onde eventualmente terá nascido, quem sabe se por mero acidente, na Rua de Raul Brandão 62, com uma placa de mármore desde 1941/2, lá colocada com o apoio da sua viúva,

 

e que a casa onde viveu e teceu a sua vida de homem e de escritor era afinal outra, Cantareira 61, hoje Rua do Passeio Alegre 254, com uma placa à porta, a dizer isso mesmo, devendo todos nós este novo conhecimento ao livro de Joaquim Pinto da Silva que tem precisamente o título de “Cantareira 61”.

 

Afinal, descobri, Raul Brandão não era só importante para Guimarães nem tão pouco um produto da cidade berço. Era-o para o nosso país e especialmente para esta ponta ocidental do Porto.

Com Raul Brandão, reapaixonei-me pela Cantareira, e pela Foz Velha.

 

Quando percorri, fotografando, os locais por onde o escritor teria andado, olhando o mesmo rio que ele olhava, com o mar lá ao longe,

 

mas já sem as lavadeiras de pés enfiados na água a esfregar e a bater as roupas na pedra dos lavadouros (tão pouco os lavadouros que, tendo sido mudados de lugar, lá estão, vazios, muitas vezes sujos, abandonados, sem que seja quem for, de boa vontade e algum poder, e esquecendo as competências, os limpe e mantenha constantemente asseados. Sejam eles a Câmara, a APDL ou a União de Freguesias, sendo que esta última é a cara pública de todo o espaço),

 

LAVADOUROS DA CANTAREIRA

 

-e continuando, dizia- olhando o mesmo rio que ele olhava, com o mar lá ao longe, mas já sem as lavadeiras de pés enfiados na água a esfregar e a bater as roupas na pedra dos lavadouros, nem com as mulheres, de perna nua, a acudir à praia para lavar as redes que as catraias à vela traziam, mas com o mesmo cheiro à maresia da Foz, e o mesmo azul do mar, desfeito em poalha, agora lá longe, a misturar-se ao oiro que o mar derrete,

 

CANTAREIRA – NÉVOAS NO RIO

 

CANTAREIRA – NÉVOAS NO RIO

 

ou as névoas que o rio abraça, conseguia imaginá-lo a tecer frases que mais tarde utilizaria nas páginas de “Os Pescadores” e nas “Memórias”, sentindo-me transportado para um tempo que não conheci, para palavras que sobre ele por aí li, e embrenhado de uma sensibilidade que descobri “no seu modo de escrita quase único, e por certo, irrepetível”.

Quando visitei e fotografei o exterior da casa do escritor, antiga Cantareira 61, quase consegui transportar-me para a altura em que Raul Brandão se sentava naquelas escadas e olhava o mesmo rio que eu via, ou quando se sentava no banco de pedra junto à bica da fonte que ainda lá está, e pensava, e tecia enredos.

Foi, na verdade, um exercício enriquecedor.

Em Janeiro de 2014, numa das minhas Cartas do Porto, a número 20, escrevi como complemento a um conto sobre a Av. D. Carlos e as Palmeiras:

“Na altura, a Cantareira era costa marítima, imagine-se!

Como se pode ver de seguida, pelas datas, a construção do jardim e do cais onde ficaria o farolim e tudo o mais que dissesse respeito ao arranjo da barra do Douro, foi muito lenta, à velocidade da entrada de dinheiros para a obra.

O cais do farolim começou a sua construção em 1790, e o jardim só começou a ser construído em 1860, com a edificação de um molhe que permitiu secar a poça que ali existia, e as primeiras árvores foram plantadas em 1870 (n’ O Tripeiro lê-se – em 1873, “o Passeio Alegre é gente e poeira, americanos e árvores raquíticas”.

Entretanto, as árvores mais raras, que hoje vemos plantadas no jardim, como as Araucárias Australianas vieram da Alemanha.

(o jardim) Ficou pronto em 1892 embora a sua inauguração tenha ocorrido quatro anos antes, poucos anos depois da inauguração do farolim de Felgueiras, que o foi em 1886, mas desde 1874 que já um dos seus ícones de hoje existia, o Chalé.”

Tinha pois, Raul Brandão, 7 anos quando ele foi inaugurado.

 

O Chalé foi, desde a sua construção, paragem obrigatória das gentes importantes da Foz.

No entanto nunca Raul Brandão se referiu ao Chalé Suisso, que na altura era do Carneiro, ou ao novíssimo jardim.

Nem nas suas memórias, cujo primeiro volume foi publicado em 1919, há alguma referência.

 

FAROL DE FELGUEIRAS

 

Ao farol, sim, a esse, Raul Brandão via e dava-lhe importância. Tinha a ver com a chegada e partida dos barcos de pesca e com o mar, no fundo, com os pescadores e a sua vivência.

Leio nas Memórias:

“ Iça! Iça! – e as redes sobem pela polé, cheias de algas e de peixe, que se debate no fundo da catraia. Voltamos. Já avisto, à vela panda, o farolim, depois Carreiros, um ponto branco, além, no areal, é o Senhor da Pedra …”

E ainda:

“Esta Foz de há cinquenta anos, adormecida e doirada, a Cantareira, no alto o Monte, depois o farol e sempre ao largo o mar diáfano ou colérico, foi o quadro da minha vida.”

E nos Pescadores encontro

“A Foz é para mim a Corguinha, o Castelo e o Monte com o rio da Vila a atravessá-lo, e a rua da Cerca até ao Farol. O que está para lá não existe… 

 

Só me interessa a vila de pescadores e marítimos que cresceu naturalmente como um ser, adaptando-se pouco e pouco à vida do mar largo. E ainda essa Foz se reduz cada vez mais na minha alma a um cantinho … a meia dúzia de casas e de tipos que conheci em pequeno, e que retenho na memória com raízes cada vez mais fundas na saudade, e mais vivas à medida que me entranho na morte.”

Uma pequena parte do trabalho fotográfico de que falei há pouco, e que iria ser apresentado em exposição fotográfica em 2017, tenho vindo a apresentá-lo agora, aqui, nesta crónica. É uma pequena parte das fotografias que tirei.

Quem sabe se um dia poderão ver o restante trabalho.

 

FOZ VELHA

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6 Comments

  1. Excelente crónica bem atual. Vai para as minhas efemérides e, imagino, para “O Tripeiro”. Vou já avisar o especialista Vasco Medeiros Rosa. Bons escritos, A.

  2. Que linda crónica,sentida no percurso de vida do Amigo José Magalhães.É a Foz Literária!…. Percebi porque conheço.Apreciei melhor porque compareci na homenagem a Raul Brandão ,também daqui sinto a FOZ.Parabéns .Luiz Sá

  3. Olá Zé Fernando. Mais uma maravilhosa crónica, esta sobre esse vulto da cultura que foi (continua a ser, porque o continuamos a ler) Raul Brandão. Meu Amigo Zé. Não pare de nos oferecer estas lindas crónicas e excelentes fotos. Um forte abraço

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