A crítica demolidora de Michael Pettis à teoria e à política económica neoliberal – 13. Fundamentos da Teoria Económica (2ª parte). Por Wilhelm Lautenbach

egoista

Seleção e tradução de Júlio Marques Mota

13. Fundamentos da Teoria Económica (extrato de “Zins, Kredit und Produktion”) – 2ª parte

lautenbach wilhelm por Wilhelm Lautenbach, em 1931(*)

Este extrato corresponde às páginas 15 a 34 do texto Zins, Kredit und Produktion publicado por Wolfgang Stützel em 1952 (ed. J.C.B. MOHR (PAUL SIEBECK) TÜBINGEN)

 

Esta 2ª parte do texto de Wilhelm Lautenbach foi publicado em A Viagem dos Argonautas em 8 de março e 9 de março de 2017 .

 

Temos algumas dificuldades em passarmos da curva de oferta de um produto singular para a curva de oferta agregada das mercadorias, a partir exatamente das curvas de oferta singulares, de um único produto. Temos de nos servir de alguns artifícios técnicos, nomeadamente desenhá-la de uma forma um pouco diferente da utilizada quando estávamos a falar da curva de oferta dos bens individualmente considerados. Não nos questionámos até que ponto a produção poderia aumentar para explicar a interseção com a curva da procura. Este procedimento é, portanto, impossível, porque não há nenhuma curva de procura que seja independente da oferta total. Só os economistas teóricos que são estritamente clássicos concluem a partir do Teorema de Say que a procura agregada é sempre igual a oferta agregada. Isto significa, que, se se deve utilizar uma curva da procura esta deve ser desenhada da mesma maneira que a de oferta, mas o ponto limite [ou ainda o preço de equilíbrio]  não poderia, de modo nenhum, ser alcançado da mesma forma com que se obtém com as curvas singulares. Por cada ponto da curva de oferta total, a hipótese clássica significa que a procura global dada pelo ponto é então igual ao valor total da produção, se cada produto é avaliado ao seu custo marginal. A partir deste dilema, no entanto, os teóricos clássicos salvam outro teorema fundamental da teoria, ou seja, a proposição de que sob concorrência perfeita em todas as áreas, incluindo a liberdade de circulação de trabalho e de capital assim como a liberdade de trabalho voluntário, aparece como condição para que o sistema gravite em torno do ponto de pleno emprego, e isto para todos os fatores de produção. Mas essa dificuldade é resolvida apenas aparentemente. Temos estado muito embaraçados para traçar a curva de custo global da oferta, com a instrução (“agregação de todas as curvas de oferta individuais numa curva de oferta total “) e esta agregação de curvas só pode ser feita , tanto quanto podemos ver, somente se o que se quer procurar e determinar, ou seja, o ponto limite, é já previamente conhecido. Aqui não basta saber o volume de cada um dos factores de produção disponíveis, mas é também necessário conhecer a maneira como estes estão distribuídos pelos diferentes ramos da produção. Assim, teríamos realmente necessidade de conhecer cada uma das curvas individuais de oferta nos seus pontos limite, no seu respectivo ponto limite. Cada uma é então somente determinada quando consideramos todas as outras como dadas, porque a procura é alimentada a partir do rendimento total e este só é determinado quando todas as curvas de oferta individuais são fixas com o seu ponto limite.

Estamos agora a depararmo-nos com esta dificuldade devido ao facto de, quando se fala da construção da curva global de oferta, nós passamos a questionarmo-nos de forma diferente, principalmente pelo seguinte: tomando a produção como um dado, qualquer que seja o momento do tempo considerado imaginemos o custo de todo e qualquer produto tomado ele individualmente como sendo igual ao produto marginal, no ponto limite ou de equilíbrio. Em seguida, determinamos a curva de oferta global, a de todos os produtores e na produção considerada, ou seja, determinamos o valor da oferta total assim como o rendimento de todos os empresários, ou ainda a diferença do valor de venda nominal e o custo marginal e o valor desta diferença é caracterizada pela teoria como sendo o rendimento residual dos empresários.

Sabemos igualmente como deve ser enorme a procura, o seu valor deve ser então igual ao total dos custos da oferta, ou seja, por outras palavras: só assim é satisfeita a lei de Say. Say considerou categoricamente como válida a sua famosa afirmação e concluiu que, juntamente com todos os seus epígonos: nunca pode haver nenhuma sobreprodução geral apenas poderá haver disproporcionalidade entre o valor de oferta e o valor da procura, de tal modo, que a uma menor procura de determinados produtos contrapõe-se uma procura em excesso relativamente à oferta para outros produtos; o preço de determinados produtos cai abaixo do custo marginal enquanto o preço de outros produtos fica acima do seu custo marginal. Por essa tensão do mercado, o desajustamento entre oferta e procura bem a bem leva a que se seja conduzido a uma situação de equilíbrio, ou seja, conduz a que se limite a produção dos bens em excedente e se expanda a produção dos bens em défice, [reduzindo-se aqueles bens cujo preço é inferior ao custo marginal, e inversamente, aumentando aqueles cujo preço ficou acima do custo marginal]. Para aqueles que firmemente confiam no conjunto dos teoremas da teoria clássica, é então óbvio que esta teoria explica o inegável fenómeno que é a realidade da crise e explica-a mais ou menos através destas desproporções em conjunção com a rigidez provocada pela concorrência imperfeita e pela inércia de reação do sistema económico a estas desproporções. Claro, esta afirmação não passa de uma hipótese, sem o menor valor probatório.

Esta explicação é, basicamente, muito menos a explicação da realidade do que é a defesa da teoria contra a acusação de que esta está em contradição com a realidade e que, portanto, deve ser falsa. Contra esta afirmação, os defensores da teoria clássica respondem: o mecanismo de reacção, representado pela teoria e o Teorema de Say são claramente estabelecidos e válidos somente no quadro da concorrência pura e perfeita. O conjunto de teoremas da teoria derivam de proposições logicamente bem precisas e definidas naquele mesmo quadro; elas são condições necessárias e têm validade aprioristicamente. Estas aplicam-se independentemente da experiência e não podem ser recusadas por qualquer experiência. Se os sintomas [da crise] ocorrem na economia real, e estes estão em contradição com o mecanismo de reação teoricamente derivado, isto deve-se então ao facto de que as premissas da teoria não estão satisfeitas, que há uma constelação de dados que a teoria não reconhece porque não estão perfeitamemente em linha com a teoria e os puristas da teoria clássica acrescentam: estes factos não são esperados pela teoria porque esta constelação de dados é de muito má qualidade.

Se nos limitarmos a caracterizar a tese da teoria ortodoxa como uma afirmação não provada e então como uma pura hipótese, isto significa que a situação permanece bastante insatisfatória. Porque, se a exactidão das frases pronunciadas não é comprovada, não se iria perceber que esta está errada. Agora, pode-se, contudo, demonstrar que as suas proposições são pura e simplesmente tautologias e, como tal, sem nenhum valor cognitivo. A priori, a identificação do rendimento empresarial (os lucros, não as remunerações) como um rendimento residual deve alertar-nos contra a ideia defendida pelos clássicos de que a economia caminha automaticamente em concorrência perfeita para a situação de equilíbrio com pleno emprego, gravitando em volta deste ponto de eqeuilíbrio. O rendimento residual não significa outra coisa senão que: o empresário só sabe no mercado o que obteve e quanto obteve como receita, o que deriva da oferta e da procura, ou seja do preço criado pelo mercado , ou seja, a relação entre a oferta e a procura determina os preços e, portanto, determina aqui, residualmente, quais são os seus lucros.

O rendimento é então a fonte da procura para os bens produzidos. Aqui, a serpente morde a sua cauda uma vez que temos assim uma forma elegante do círculo vicioso. Se realmente não há nenhuma razão especial para se considerar a determinação do rendimento dos empresários (os lucros) como sendo independente, então a procura dos empresários seria pois uma função do seu rendimento da mesma forma, como é o caso, com os não-empresários, e todo o sistema seria completamente indeterminado, porque o rendimento dos empresários não é garantido evoluir a pari passu com a produção, ou seja, com as remunerações, os encargos, pagos pelos empresários sobre os fatores de produção utilizados e, como resultado, podemos questionar a sua sustentabilidade enquanto considerado como um dado. Os seus rendimentos constituirão ou uma procura de bens de consumo ou uma poupança. Em primeiro lugar, vamos admitir que essas poupanças são procuradas por alguém que quer comprar bens. Mas isto de forma alguma nos leva a que a procura total seja determinada. Falta-nos ainda a procura que é realizada pelos empresários.

Essa procura pode não ser uma função do seu rendimento, isto é, esta não dependência do seu rendimento é devida ao facto de que a criação do seu rendimento exige antecipadamente a existência da procura. Por outras palavras, a procura dos empresários não é uma função do seu rendimento, mas é sim o seu rendimento que é uma função da sua procura [2]. Uma vez que nós agora já sabemos como é que se dá o aumento da oferta e como, por vezes, o tratamento acrítico das equações (simultâneas) leva a equívocos sobre a natureza das variáveis expressas nestas equações, é então necessária uma mais detalhada análise.

As receitas durante o período não são iguais! Nesta situação, e ainda que temporariamente, é a variação na proporção das receitas relativamente à despesa que é então a essência da mudança na dinâmica do circuito económico e não a alteração na massa monetária disponível. É claro que, na situação de rigidez do ciclo (constante o rendimento e a despesa), o aumento da massa monetária será compensado por uma mudança na velocidade da sua utilização, tanto quanto permanece proibitivo na nossa provisória concepção experimental provocar uma tal mudança na relação entre receitas e despesas dentro do período.

Esta exclusão de influência direta da política monetária sobre a circulação mnonetária é de novo metodicamente justificada; porque não se pode arbitrariamente “estar a injetar moeda na economia” ou ” retirar moeda da economia.” Primeiro, qualquer um de nós pode ter uma razão económica para retirar o dinheiro do circuito (deixá-lo no banco ou no seu cofre) ou para colocar dinheiro no circuito (retirando-o da sua conta bancária ou contraindo empréstimos nos bancos). Primeiro que tudo, faça-se o que se fizer nestes dois casos tem que se ter uma razão para abandonar a igualdade de receitas e despesas durante o período em questão, e pode então haver um aumento ou uma diminuição. Alterar a proporção de receitas e despesas durante o período é necessário e (no caso de ser possível a opção de aumento da massa monetária em circulação ou vice-versa, com capacidade suficiente para processar operações de pagamento) é já uma condição suficiente para mudar a rigidez no ciclo. Somente se os meios de pagamento adicionais não são suficientes (mas por si-só nunca serão suficientes) então os bancos poderão atuar em conformidade para satisfazer essas necessidades.

Se quisermos saber como é que as contrações e expansões da atividade económica aparecem (ou, porque é que o nível de atividade económica aparece num dado momento do tempo como tendo sido fortalecido) então devemos e primeiro que tudo responder às seguintes perguntas:

  1. Em que pontos da economia se verificaram mudanças na relação entre receitas e despesas dentro do período considerado?
  2. Que regularidades há nessas mudanças?

 

A enumeração de todas as possibilidades como resposta a 1) resultaria numa classificação de todas as componentes económicas possíveis. Entre os não‑empresários qualquer mudança nos hábitos de poupança ou mesmo, por exemplo, uma mais rápida utilização dos seus rendimentos dentro do período de pagamento dos salários, estão nessa classificação.

Qualquer mudança na relação entre as receitas e as despesas feitas pelo Estado e entre os bancos poderiam ser tomadas em conta (como é o caso quando as relações económicas externas são tomadas em conta, ou seja, com qualquer mudança na proporção de “receitas” face às “despesas” nas operações de pagamentos internacionais). E, no entanto, parece adequado não ter em conta nada disto, uma vez que as mudanças entre os não-empresários, são difíceis de colocar sob uma regra geral. As mudanças no Estado, porque elas são, em qualquer caso, tratadas mais tarde como uma variação intencional da actividade económica. E as mudanças nos bancos, porque elas são apenas reflexo “de transações sobre bens na economia ” ou são tão complicadas que serão tratadas mais tarde e de forma adequada. Assim, deixamos ficar apenas as alterações impostas pela variação dos comportamentos dos empresários. Tais mudanças, estão entre as disposições “típicas da sua atividade”. Eles têm sido vistos como aqueles em que a totalidade da mudança dos seus comportamentos se pode tornar mais evidente [e isto mostra-se bem] na base de um muito simples desenvolvimento algébrico.

No que se segue referimo-nos:

EU – Lucros dos empresários ou o seu rendimento bruto

E N –  Rendimento dos outros agentes, ou seja, dos não empresários

E – Rendimento global dos agentes económicos, ou seja, na terminologia moderna, o nosso Y.

P – Valor do produto social, o nosso Y de novo

I- O valor dos investimentos é aqui visto como sendo a totalidade dos bens produzidos num dado período e que não são vendidos nesse mesmo período para o consumo final. Isto também inclui um aumento das existências desses mesmos bens nos armazéns. Por outro lado, uma diminuição das existências seria então um investimento negativo, reduzindo assim o valor do investimento em conformidade. Aliás devemos aqui sublinhar que falamos de investimento líquido e este é o investimento bruto total menos o reinvestimento exigido para manter o valor dos meios de produção existentes (o que incluiu as existências)

S N – Poupança dos não- empresários

VN – Consumo dos não-empresários

VU – Consumo dos empresários

V – Valor total dos bens de consumo retirados da esfera da circulação, ou seja, é a soma dos bens consumidos

Temos então a seguinte identidade:

EU+EN ≡ E ≡ P ≡ I +V

Mas enquanto os custos dos enpresários evoluem pari passu com a produção, e são expressos pelos custos salariais e outros custos pagos aos não empresários, os rendimetos dos empresários são agora indeterminados, são somente determinados no mercado, o que nos leva a colocar a equação acima em termos de EU e obtemos:

EU = I+V-EN

Por definição temos que EN=SN+VN

ou ainda:

EU= I+V – SN – VN

Ou V – VN = VU

[finalmente, EU = I + VU – SN ]

Assim, o rendimento dos empresários é igual ao valor do investimento mais o valor do consumo dos empresários menos a poupança líquida dos não-empresários.

É verdade que esta fórmula tem ainda o belo defeito de operar em termos de valor quer quanto ao investimento quer ainda quanto ao consumo dos empresários, o que a caracteriza ainda como simples transformação de uma idêntica equação, e assim não aparece explicado como é que o rendimento aparece expresso em valor, [uma vez que questionar a formação do rendimento é a mesma coisa que questionar a formação dos preços. Evitar uma significa evitar a outra]. Pode ser objetado que o lucro dos empresários aparece determinado de novo em valor e o seu valor nominal é determinado exclusivamente pelos preços. Porém, os preços são uma função da procura e a procura é uma função do rendimento: agora, se se pressupõe a formação dos preços então estamos a pressupor exactamente o que queremos explicar. A procura, novamente a procura, em função do rendimento: se, portanto, pressupomos a fixação de preços, então estamos a pressupor precisamente o que queremos procurar e que e é indeterminado. E mais uma vez estamos em círculo e o melhor então seria chutar para canto e continuar. Esta objecção é errada, não pode ser aceite.

texto 13 Lautenbach 2

Na verdade, a fórmula tem um aspecto de ser tangível e fornece uma base absolutamente fiável. É aplicável nomeadamente na seguinte fórmula ligeiramente alterada: o rendimento do empresário é igual ao custo do investimento, incluindo as variações das existências expressas no balanço + despesas de consumo (despesas feitas em bens de consumo comprados a outros empresários + valor contabilistico das amortizações ) menos a poupança dos não-empresários. Todos os três items evoluem pari passu claramente com a produção e são sempre não ambiguamente dadas e determináveis. A fórmula, de tão simples derivação é,  então, extremamente valiosa; ela descobre-nos uma certa conexão em que se torna bem claro o que a teoria tradicional nunca sequer imaginou, com exclusão de Knut Wicksell, pelo que neste contexto não é pois possível contar com a teoria ortodoxa. Referindo-nos à relação encontrada, ela faz explodir em estilhaços a teoria tradicional.

A ligação é então a seguinte [3]: o custo dos investimentos determina o nível de preços de bens de consumo e os rendimentos dos produtores dos bens de consumo. Assim, vemos que o rendimento dos empresários é tanto maior quanto maior for o custo dos investimentos, e então, quanto mais for investido e quanto maior for o consumo de empresários menos será o dos não-empresários. Precisemos, isto é apenas válido para a economia fechada. Os investimentos são então praticamente a condição decisiva para a realização de lucros empresariais e, são eles a determinante fundamental do volume de emprego na economia, dadas as condições de produção existentes, ou seja, sendo dadas as curvas de oferta dos empresários individuais para os produtos individualmente considerados.

O contexto pode ser bem ilustrado por um gráfico simples. Em primeiro lugar, iremos considerar apenas a parte do produto que é socialmente consumido. Nós assumimos que, num determinado período, digamos um ano, se produz uma certa quantidade de bens de consumo e que esta mesma quantidade irá também ser disponibilizada ao consumidor. O armazenamento dos fabricantes, grossistas e retalhistas está sempre colocado entre a produção e as vendas para o consumidor. Suponha-se que as existências permanecem constantes em cada estágio do processo que vai da produção ao consumidor durante o período considerado, ou seja, que em cada estágio as entradas são iguais às saídas. O retângulo assinalado com a letra V representa os bens de consumo produzidos numa economia fechada durante um ano e que são vendidos aos consumidores, medidos estes pelo custo de produção e também decompostos estes custos pelos vários componentes de custos. Quando as unidades fabris individualmente consideradas a produzem bens de consumo e nessa produção são consumidos bens intermediários ou materiais auxiliares, os originais custos incorridos na fabricação destes produtos intermédios devem também ser calculados. Os custos originais incluem os montantes indicados no diagrama por F (o custo dos factores), ou seja, todos os pagamentos que os empresários têm que pagar aos fatores de produção envolvidos.

Estas são as despesas incorridas na produção, salários, impostos, juros pagos durante a produção; adicionalmente aos custos iniciais, o “próprio rendimento dos empresários representado pela letra U no diagrama e, finalmente, a amortização que envolve todos os investimentos feitos para esta produção, é representada no diagrama pela letra A. O empresário deve ter em conta também no cálculo da depreciação uma parte do custo das suas instalações fabris porque toda a instalação e o capital fixo serão gastos ao longo de de vários anos e depois substituído por novas instalações e novos equipamentos.

Em termos económicos isto significar imputar nos custos uma fracção correspondente do custo original do investimento total, o que é reconhecido como despesas operacionais ano após ano e isto diz-nos que as amortizações são algo fácil de determinar. Se usarmos o rendimento empresarial como um elemento de custo, então nós não o incluiremos pelo seu atual valor, mas pelo seu valor nominal. Em geral, o que nós queremos representar com a expressão rendimento empresarial é a quantidade que os empresários devem alcançar como sendo o lucro total da empresa, de modo a que a produção se possa manter ao nível que tem tido, ou mais cuidadosamente, de modo que o nível de emprego seja mantido constante em todo o lado. Isso significaria, em média, períodos de expansão e de contração da produção, períodos de aumento de volume de mão-de-obra utilizada ou períodos de redução dessa mesma mão-de-obra, efeitos estes que se compensariam.

Esta fórmula primitiva tem a vantagem de um maior realismo, mas está sujeita a ser rejeitada por aqueles armados de boas maneiras e que cultivam a linguagem artística da teoria pura, com um enorme e gelado desprezo como aquele que encontraria um cidadão menos composto que de repente aparecesse em mangas de camisa para o jantar no restaurante do Ritz. É por isso que nós queremos utilizar a fórmula de forma elegante e corretamente formulada de modo a que os olhos dos extremamente elegantes defensores da teoria pura não tenham mesmo nada a criticar e a corrigir.

O rendimento nominal total dos empresários é igual à receita que estes iriam conseguir, se obtivessem preços para os respetivos produtos iguais aos seus custos marginais de produção. E em ordem a evitarem qualquer surpresa embaraçosa, eles acrescentam como condição que em economia fechada, como eles consideram, se verifica a concorrência perfeita em todas as áreas.

No segundo gráfico, colocamos o rendimento empresarial, tal como definido, desenhando um paralelograma da mesma altura e largura que representa, sem lucro empresarial, apenas o custo dos factores mais as amortizações. Desenhámos um retângulo com a mesma altura e a mesma largura e nele colocamos o custo puro das empresas (sem lucro empresarial, ou seja representamos todos os custos mais as amortizações) de modo que à direita do paralelograma se desenhem os valores de custo marginal de todos os produtores que atingem exactamente o bordo superior do parelograma. Isso seria uma estreita faixa perto já do topo do retângulo da direita. Além disso, também gradualmente em tiras estreitas podemos ver os produtores de custos marginais cada vez mais baixos e consequentemente com os lucros empresariais a crescerem com os custos marginais a descerem até se atingirem os produtores com os custos marginais mais baixos e o maior lucro, visível no lado esquerdo.

Com esta construção, facilmente ultrapassaremos a dificuldade que consiste no facto de que as curvas de custo para os produtos individualmente considerados têm entre si um intervalo de variação muito grande. Pode haver produções em que a diferença de custo entre os melhores produtores e os produtores marginais é baixo, então a curva de custo tende a ser plana, e outros em que a diferença é muito grande, ou seja, em que a curva é de muito forte inclinação. Todas as curvas de oferta individuais podem ser então agregadas numa curva de oferta total (a oferta agregada) através da combinação dos diferentes produtores de diferentes mercadorias na base do critério da igualdade das relações de custo. No caso de um grande número de produtores e com pequenas diferenças de custos entre eles, ou seja, tendo assim em conta as menores diferenças nos custos relativos constrói-se então, a partir do ponto limite e por degraus, a curva contínua como é utilizada pelos teóricos quando analisam as curvas de oferta de um único produto. Neste caso, pelo menos para os teóricos, o rendimento nominal dos empresários e de acordo com a nossa definição é, então, claramente determinado.

Façamos então agora a pergunta: em que condições é que a produção do chamado setor de produção de bens de consumo é satisfeita pelo teorema de Say que estabelece a igualdade da oferta e procura, isto é, quando é que a procura é igual, em valor monetário, ao valor total dos custos, incluindo nestes o lucro empresarial, como é definido com a ajuda do diagrama 2.

texto 13 Lautenbach 3
Faktorkoster der Verbrauchsgütindustrie – custo dos fatores da indústria de bens de consumo.
Sparquote – poupança dos consumidores
Unternehmergewinn – lucro dos empresários
Sparquote der int – poupança dos empresários  
Verbrauchsausgaben der verbraucsgüt industrie – despesas de consumo da indústria de bens de consumo
Verbrauchsausgaben der investitionsgüterindustrie – despesas de consumo da indústria de bens de capital
Faktorkoster der investitionsgüterindustrie – custo dos fatores da indústria de bens de capital

 

A resposta a esta questão é apresentada com a figura 3, com as suas quatro figuras geométricas, os seus quatro retângulos. O retângulo assinalado com a letra V, o primeiro à esquerda, é, como se mencionou, a oferta global ao seu custo total em valor e em que este custo global é discriminado por classe de custos. Agora a produção de bens de consumo cria ela própria uma procura pelos seus próprios bens, uma vez que os produtores envolvidos na sua produção procuram os bens de consumo de que necessitam e de acordo com os rendimentos obtidos. Contudo, esta procura, que é gerada pela própria produção de bens de consumo, é mais baixa em todas as circunstâncias e em valor muito considerável que os custos totais. No diagrama, o consumo do rendimento gerado na produção dos próprios bens de consumo e a procura que aparece no mercado estão na segunda coluna do diagrama a negro e está representado esquematicamente em cerca de três quartos do valor de custo dos bens de consumo produzidos. De modo a ilustrar a situação, suponha-se então que o valor total dos custos, como se mostra na coluna 5 são de 120, que o custo dos factores é de F 90, as amortizações de A 15 e que o lucro dos empresários é igualmente de 15. Se nós considerarmos agora o facto de que dos custos do trabalho, isto é, o rendimento dos fatores envolvidos na produção, 85 foram gastos em bens de consumo e 5 são aforrados, poupados, que as despesas de consumo dos empresários são 5 (as suas poupanças, são neste caso 10), então teríamos uma procura total de 90, com uma oferta total de 120. Então, há assim um défice de procura de 30, excesso de oferta, face à oferta total em bens de consumo de 120. Este défice na procura pode ser anulado e as 30 unidades terem comprador nesse montante se, com excepção dos bens de consumo, forem fabricados outros bens que não são destinados ao consumo (final), como os bens de capital ou seja, produzidos numa quantidade bem específica e [cujos rendimentos aqui gerados vão comprar os bens de consumo em excedente].  Na produção de bens de capital produzidos naturalmente, o rendimento é gerado da mesma maneira que na produção dos bens de consumo. Naturalmente, não é necessário per se que os custos desçam na mesma proporção na produção de bens de consumo, nem que o consumo gerado na produção de bens de investimento compense exatamente o défice existente na compra dos bens de consumo que estão em excesso. Por outro lado não há nenhuma razão para assumir fortes desvios e uma vez que o que é importante é apresentar os factos mesmo que de forma esquemática, assumimos aqui, e por uma questão de simplificação, que na produção dos bens de capital o rácio dos bens consumidos relativamente aos custos totais (estes são também as receitas totais) se verifica a mesma proporção que na produção dos bens de consumo.

Mas, então, seria necessário um investimento cujo custo seria de 40 para gerar os rendimentos que iriam adquirir as 30 unidades de bens de consumo que na nossa hipótese estariam em excedente, e assim se encontraria a situação de quilibrio no setor de bens de consumo, o que elevaria a procura global para 120 unidades. No gráfico isto é mostrado pelo par de pequenos retângulos: o primeiro deles, o terceiro retângulo a contar da esquerda, corresponde ao grande retângulo à  esquerda assinalado com a letra V: isto mostra a quantidade de bens de capital produzidos, medidos e avaliados segundo os custos necessários à sua produção; o rendimento gerado no setor de bens de capital e gasto em bens de consumo está assinalado a preto no quarto retângulo, a contar da esquerda,  e, como pode ser visto, anula o excedente de bens de consumo existente que é de 30 como se assinala no retângulo grande. Se houvesse menos investimento a fazer, digamos, de 20 por hipótese, este gerava rendimentos gastos em consumo de 15, assumindo a taxa Receitas/Despesas constante, e a procura total em bens de consumo seria então de 90+15=105.

Nestas circunstâncias, os preços dos bens de consumo iriam cair drasticamente, e a produção seria depois, por ausência de compradores para esta quantidade, bastante reduzida. Por outro lado, se, por exemplo, o investimento fosse aumentado em mais 60 unidades de custos de fabrico, parte dos rendimentos aí gerados seriam gastos na compra de bens de consumo. Os lucros e salários gastos em bens de consumo atingiriam 45 unidades [(3/4) x 60], e a procura final de bens de consumo seria então 90+45= 135. Os preços subiriam e produção seria poderosamente estimulada e ampliada.

Se a elasticidade da produção de bens de consumo for aproximadamente igual a 1 (o que implica que a curva de custo marginal fica na horizontal) o custo marginal não irá crescer; se a tendência para consumir se mantém inalterada, ou seja, na situação em que todos os assalariados gastam sempre a mesma proporção do seu rendimento em bens de consumo, a produção de bens de consumo terá que subir para 180, e a este nível ir-se-á encontrar uma nova situação de equilíbrio. [N.T. Este último valor deduz-se da seguinte forma. Há um défice de bens de consumo de 15. A criação de um excedente de 15 unidades na produção de bens de consumo será então de (1/4). x= 15, onde x é a produção total de bens de consumo que liberta como excedente 15 unidades. No caso, o valor de x é então de 60 unidades que a somar às 120 unidades nos dão o valor de 180 citado por Lautenbach].

(continua)

 

Wilhelm Lautenbach, Zins, Kredit und Produktion. Texto disponível em http://arno.daastol.com/books/Lautenbach%20(1952)%20Zins%20Kredit%20und%20Produktion.pdf

 

Notas

[2] Esta nota, pela sua dimensão e importância é apresentada e comentada em texto anexo.

[3] N.T. Sublinhado nosso.

 

(*) O autor

Wilhelm Lautenbach (1891-1948) foi conselheiro senior no Ministério de Economia da Alemanha nos anos de 1920/1930. Conhecido por ser o autor do Plano Lautenbach, plano este que foi apresentado e discutido numa conferência secreta realizada em 16 e 17 de setembro de 1931 na Sociedade Friedrich List e que apresentava uma solução para a crise económica e financeira da Alemanha (vd. texto publicado em A Viagem dos Argonautas em 6 de outubro, 7 de outubro e 8 de outubro de 2016 e ainda em 1 de outubro2 de outubro, 3 de outubro e 4 de outubro de 2016),  que poderia ter evitado a ascensão de Hitler ao poder. Houve quem lhe chamasse um keynesiano antes de Keynes. O economista alemão Wolfgang Stützel, que desenvolveu o método de trabalho em economia Saldenmechanik (Mecanismo do equilíbrio ou dos saldos), louva Wilhelm Lautenbach pelo seu trabalho Teoria do Crédito da Moeda (“Kreditmechanik”).

Vd. também  https://en.wikipedia.org/wiki/Wilhelm_Lautenbach

Leave a Reply