Seleção e tradução de Júlio Marques Mota
Parte I – O básico na finança de hoje
17. Alemanha – Projeto de lei para separar riscos e planear a recuperação e a resolução das instituições de crédito e grupos financeiros. Parecer ao Comité Financeiro do Parlamento Alemão. (5ª parte-conclusão)
Por Finance Watch, 18 de abril de 2013.
(5ª parte-conclusão)
(…)
III. Separando atividades de risco
(…)
2. Atividades de alto risco
(…)
2.3. Devido à sua impraticabilidade, a proposta atual deve ser substituída por regras mais simples e que, na prática, sejam de fácil aplicação
A semelhança fundamental entre todas as atividades de risco entre si e a sua diferença relativamente às atividades bancárias comerciais é uma razão pela qual Finance Watch está convencida de que, na ausência de uma separação total, é essencial haver uma forte blindagem que mantenha a as atividades especulativas, incluindo a criação de mercado e as atividades deste tipo havidas com clientes, separadas das atividades bancárias vitais.
A dificuldade de distinguir entre as atividades especulativas constitui um forte argumento para a simplicidade, no que diz respeito às operações de risco por conta própria bem como aos princípios e regras da separação. Com a exceção da possibilidade de perdas, uma definição complexa das atividades especulativas de risco permitidas, quer dentro da própria entidade ou em qualquer outro lugar do grupo, estará sujeita a tentativas de arbitragem regulatória e a degradar-se ao longo do tempo. As regras simples, por outro lado, simplificariam as escolhas dos investidores nos bancos comerciais e nos bancos de investimento com os seus perfis de risco respetivos.
Regras simples que agrupem atividades especulativas de risco num banco de investimento, separadas de atividades bancárias comerciais, ajudariam o controle regulatório, inclusive enfrentando as preocupações de interesse público em toda uma série de atividades bancárias de investimento. Por exemplo, as decisões como criadores de mercado envolvem atividades que podem não ser plenamente do interesse público. Além disso, a separação deve simplesmente ser vista como a consequência natural do facto das atividades de especulação serem de natureza diferente das atividades de crédito. Portanto, mesmo as atividades de criação de mercado úteis não têm nenhuma razão para serem realizadas sob o mesmo teto que as atividades de crédito e serem subsidiados pelo apoio público. A economia “real” pode precisar de investimento bancário (para aumentar o financiamento em grande escala) mas, pondo de lado os subsídios de financiamento, pode-se razoavelmente perguntar de que montante de investimento bancário precisa a economia “real”. A maioria das operações bancárias de investimento de risco parecem ser dirigidas para outros lugares. Menos de 10% do valor nocional dos derivados OTC pendentes têm do outro lado empresas não financeiras. O comércio mundial é inferior a 5% da atividade cambial [16]. Além disso, menos de 10% dos valores mobiliários da zona euro, com exclusão de acções, são emitidos por empresas não financeiras [17]. Em suma, a grande maioria da atividade do mercado financeiro não se preocupa com o financiamento directo da economia “real”. Não obstante, são os bancos, e somente os bancos, que organizam a emissão destes valores mobiliários e fazem mercados deles. Não são simplesmente as atividades especulativas por conta própria que devem ser isoladas do apoio público, mas também a finança a financiar títulos e derivados que deve ser forçada a ficar fora do (implícito) apoio público.
Deve-se notar que, na Alemanha, a mudança de modelos de negócios de operações que geram juros (ou seja, crédito e empréstimos) para modelos de operações geradoras de taxas (operações de negociação) tem sido bem mais do que um grande fenómeno de bancos comerciais desde meados da década de 1990. É notório que os bancos de Poupança e os bancos cooperativos são muito menos dependentes das atividades de risco do que os bancos comerciais. A Figura 2 mostra as diferenças na importância das operações de risco para vários tipos de bancos na Alemanha e como os bancos comerciais têm-se apoiado cada vez mais e mais em taxas e spreads resultantes das atividades de risco e isto desde meados da década de 1990. Este padrão de comportamento repete-se a nível europeu, como bem mostra a figura 2a abaixo.
3. A Instituição de Transacções Financeiras (Finanzhandelsinstitut)
3.1. A concepção da instituição de transacções financeiras definida no artigo 25º-BA-D contém ambiguidades que precisam de ser ultrapassadas.
O artigo 25.ºF BA-D define a Instituição de Transações Financeiras em que serão localizadas atividades separadas (conforme definido no Artigo 3, parágrafo 2, seção 3 BA-D). De acordo com esta definição, a Instituição de Transações Financeiras deve atuar como uma entidade económica e juridicamente independente; essa entidade pode, no entanto, realizar as suas atividades dentro de um grupo bancário que inclua a instituição de crédito cuja atividade deve ser protegida pelo projeto de lei. A Instituição de Transações Financeiras deve ser titular de uma licença passada sob a autoridade de BA e pode fazer transações com entidades do grupo apenas em condições normais de concorrência. Aplicam-se os direitos e deveres de informações especiais do órgão de fiscalização responsável da Entidade de Transações Financeiras ou da respetiva empresa-mãe.
A Finance Watch congratula-se com a abordagem geral aplicada pelo artigo 25f BA-D quanto à criação de Instituições de Transações Financeiras como entidades financeiramente independentes, sujeitas a regras e requisitos de supervisão específicos. Esperamos que, a partir desses requisitos, se confirme que as atividades de risco separadas só sejam prosseguidas se forem economicamente sustentáveis de forma autónoma. Isto é, as Instituições de Transações Financeiras não serão beneficiadas por garantias estatais implícitas; elas ganharão dimensão tamanho somente se o modelo de negócios for considerado sustentável por acionistas e investidores. Além de proibir o banco de depósito de transferir capital para a Instituição de Transações Financeiras, Finance Watch sugere ainda que esta última pode aumentar o seu capital somente com a aprovação da autoridade de supervisão, de modo a garantir a estabilidade do mercado e um comportamento prudente.
Mais adiante, o artigo 25.º-F BA-D é impreciso quanto à questão da relação que prevalecerá entre a instituição de crédito e a Instituição de Transações Financeiras. Também é impreciso quanto à questão das consequências decorrentes das regras de supervisão definidas na Art. 25f 5 BA-D no que diz respeito à independência de supervisão da Instituição de Transações Financeiras.
Dadas essas lacunas e ambiguidades, bem como à luz da proposta acima descrita de medidas alternativas para proteger os serviços bancários essenciais através da separação das atividades bancárias, Finance Watch recomendaria que se seguisse a abordagem desenvolvida nas observações gerais introdutórias desta Declaração, em particular na sequência da estrutura da empresa holding não operacional recomendada pela OCDE [18].
Além disso, o artigo 25f BA-D deve ser claro na separação dos corpos de governança: a fim de garantir uma gestão apropriada de ambas as atividades, e para evitar uma situação onde o interesse do banco de investimento poderia ser misturado com os interesses do banco de depósitos, cada entidade deve ter equipas executivas separadas e sem que haja uma qualquer sobreposição entre as duas.
(…..)
Texto original em http://www.finance-watch.org/our-work/publications/597-position-paper-german-bank-reform
Notas
[16] Veja-se nota 11; World Trade Organization (WTO): 2013. Statistics Database. http://stat.wto.org; Bank for International Settlements:Triennial Central Bank Survey, Foreign exchange and derivatives market activity in 2010, Statistical Release, hwww.bis.org (cálculos nossos).
[17] European Central Bank. 2013: Securities Issues http://www.ecb.int/stats/money/securities/debt/html/index.en.html
[18] Blundell-Wignall, Adrian, Wehinger, Gert, Slovik, Patrick: 2010. The Elephant in the Room. The need to deal with what banks do. OECD Journal: Financial Market Trends; 2010, Vol. 2009 Issue 2, pp.11
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Com este texto damos por concluída a Parte I – A finança básica hoje da série “Dos conhecimentos básicos em finança à opacidade e complexidade do mundo financeirizado – Uma exposição e uma análise crítica”. A seguir fazemos a resenha dos textos desta série editados até ao momento (“Introdução“, “O capitalismo da modernidade, da falsidade, da manipulação“, “De Aristófanes a Wall Street, à City de Londres-uma crítica que se quer radical contra a financeirirzação, contra a globalização“, “Parte I-O básico na finança de hoje“):
- Introdução, por Júlio Marques Mota
- O capitalismo da modernidade, da falsidade e da manipulação. Parte A: a política do trabalho e da mentira de Gordon Brown, uma mistificação emblemática, por Júlio Marques Mota
- O capitalismo da modernidade, da falsidade, da manipulação. Parte A: a política do trabalho e da mentira de Gordon Brown, uma mistificação emblemática (continuação), por Júlio Marques Mota
- O capitalismo da modernidade, da falsidade, da manipulação. Parte A: a política do trabalho e da mentira de Gordon Brown, uma mistificação emblemática (conclusão), por Júlio Marques Mota
- O capitalismo da modernidade, da falsidade, da manipulação. Parte B: A financeirização feliz dos banqueiros da City e de Gordon Brown (excertos de discursos de Gordon Brown – texto 1), por Júlio Marques Mota
- O capitalismo da modernidade, da falsidade, da manipulação. Parte B: A financeirização feliz dos banqueiros da City e de Gordon Brown (excertos de discursos de Gordon Brown – texto 2), por Júlio Marques Mota
- O capitalismo da modernidade, da falsidade, da manipulação. Parte B: A financeirização feliz dos banqueiros da City e de Gordon Brown (excertos de discursos de Gordon Brown – texto 3), por Júlio Marques Mota
- O capitalismo da modernidade, da falsidade, da manipulação. Parte B: A financeirização feliz dos banqueiros da City e de Gordon Brown (excertos de discursos de Gordon Brown – texto 4), por Júlio Marques Mota
- De Aristófanes a Wall Street, à City de Londres – uma crítica que se quer radical contra a financeirização, contra a globalização. 2.1. Introdução, por Júlio Marques Mota
- De Aristófanes a Wall Street, à City de Londres – uma crítica que se quer radical contra a financeirização, contra a globalização. 2.2. Síntese da peça “Pluto, o deus da maçaroca” de Aristófanes, por Júlio Marques Mota
- De Aristófanes a Wall Street, à City de Londres – uma crítica que se quer radical contra a financeirização, contra a globalização. 2.3. 1ª parte – Excertos da peça “Pluto, o deus da maçaroca” de Aristófanes, comentados. Por Júlio Marques Mota
- De Aristófanes a Wall Street, à City de Londres – uma crítica que se quer radical contra a financeirização, contra a globalização. 2.3. 2ª parte – Excertos da peça “Pluto, o deus da maçaroca” de Aristófanes, comentados. Por Júlio Marques Mota
- De Aristófanes a Wall Street, à City de Londres – uma crítica que se quer radical contra a financeirização, contra a globalização. 2.3. 3ª parte – Excertos da peça “Pluto, o deus da maçaroca” de Aristófanes, comentados. Por Júlio Marques Mota
- De Aristófanes a Wall Street, à City de Londres – uma crítica que se quer radical contra a financeirização, contra a globalização. 2.3. 4ª parte – Excertos da peça “Pluto, o deus da maçaroca” de Aristófanes, comentados. Por Júlio Marques Mota
- De Aristófanes a Wall Street, à City de Londres – uma crítica que se quer radical contra a financeirização, contra a globalização. 2.3. 5ª parte – Alguns comentários finais sobre a peça de Aristófanes. Por Júlio Marques Mota
- De Aristófanes a Wall Street, à City de Londres – uma crítica que se quer radical contra a financeirização, contra a globalização. 2.3. 6ª parte – Ainda dois comentários finais. Por Júlio Marques Mota
- De Aristófanes a Wall Street, à City de Londres – uma crítica que se quer radical contra a financeirização, contra a globalização. 2.3. 6ª parte – Ainda dois comentários finais (conclusão). Por Júlio Marques Mota
- Parte I – O básico na finança de hoje – 1. Finance Watch, os transfugas rebeldes da finança, por Sandrine Warsztacki
- Parte I – O básico na finança de hoje – 2. Christophe Nijdam, o cruzado de Finance Watch. Por Edouard Lederer Ninon Renaud
- Parte I – O básico na finança de hoje – 3. O que é o Sistema bancário-sombra? Por Laura E. Kodres
- Parte I – O básico na finança de hoje – 4. O que são os mercados monetários? Por Randall Dodd
- Parte I – O básico na finança de hoje – 5. Os mercados fora da bolsa, por Randall Dodd
- Parte I – O básico na finança de hoje – 6. Transações opacas, por Randall Dodd
- Parte I – O básico na finança de hoje – 7. Transações Financeiras de Alta Frequência (1ª parte), por Daniel Guinier e Stéphane Daniel
- Parte I – O básico na finança de hoje – 7. Transações Financeiras de Alta Frequência (2ª parte), por Daniel Guinier e Stéphane Daniel
- Parte I – O básico na finança de hoje – 7. Transações Financeiras de Alta Frequência (3ª parte), por Daniel Guinier e Stéphane Daniel
- Parte I – O básico na finança de hoje – 7. Transações Financeiras de Alta Frequência (4ª parte-conclusão), por Daniel Guinier e Stéphane Daniel
- Parte I – O básico na finança de hoje – 8. Conheça o mundo da Negociação em Alta Frequência, o mundo do fogo de artifício gerado pela alta frequência e que também pode ser visto no You Tube (1ª parte)
- Parte I – O básico na finança de hoje – 8. Conheça o mundo da Negociação em Alta Frequência, o mundo do fogo de artifício gerado pela alta frequência e que também pode ser visto no You Tube (2ª parte-conclusão)
- Parte I – O básico na finança de hoje – 9. Como é que a Europa falha em regular a Negociação de Alta Frequência, por Myriam Stichele e Jasper Teefellen
- Parte I – O básico na finança de hoje – 10. Os Derivados, as falhas do sistema financeiro e a economia global (1ª parte), por Randall Dodd
- Parte I – O básico na finança de hoje – 10. Os Derivados, as falhas do sistema financeiro e a economia global (2ª parte), por Randall Dodd
- Parte I – O básico na finança de hoje – 10. Os Derivados, as falhas do sistema financeiro e a economia global (3ª parte), por Randall Dodd
- Parte I – O básico na finança de hoje – 10. Os Derivados, as falhas do sistema financeiro e a economia global (4ª parte), por Randall Dodd
- Parte I – O básico na finança de hoje – 10. Os Derivados, as falhas do sistema financeiro e a economia global (5ª parte), por Randall Dodd
- Parte I – O básico na finança de hoje – 10. Os Derivados, as falhas do sistema financeiro e a economia global (6ª parte-conclusão), por Randall Dodd
- Parte I – O básico na finança de hoje – 11. A regulação dos fundos de cobertura, por Randall Dodd
- Parte I – O básico na finança de hoje – 12. Liquidez: uma espada de dois gumes, por Greg Ford
- Parte I – O básico na finança de hoje – 13. A reforma da estrutura dos bancos em perigo (1ª parte), por Finance Watch
- Parte I – O básico na finança de hoje – 13. A reforma da estrutura dos bancos em perigo (2ª parte), por Finance Watch
- Parte I – O básico na finança de hoje – 13. A reforma da estrutura dos bancos em perigo (3ª parte), por Finance Watch
- Parte I – O básico na finança de hoje – 13. A reforma da estrutura dos bancos em perigo (4ª parte-conclusão), por Finance Watch
- Parte I – O básico na finança de hoje – 14. Bancos Demasiado Grandes para Falirem (1ª parte), por Finance Watch
- Parte I – O básico na finança de hoje – 14. Bancos Demasiado Grandes para Falirem (2ª parte), por Finance Watch
- Parte I – O básico na finança de hoje – 14. Bancos Demasiado Grandes para Falirem (3ª parte-conclusão), por Finance Watch
- Parte I – O básico na finança de hoje – 15. A importância da separação das atividades bancárias (1ª parte), por Finance Watch
- Parte I – O básico na finança de hoje – 15. A importância da separação das atividades bancárias (2ª parte), por Finance Watch
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- Parte I – O básico na finança de hoje – 15. A importância da separação das atividades bancárias (4ª parte-conclusão), por Finance Watch
- Parte I – O básico na finança de hoje – 16. França – Lei de separação e regulação das atividades bancárias – Análise do projeto entregue pelo governo francês e propostas de alterações em janeiro de 2013 (1ª parte), por Finance Watch
- Parte I – O básico na finança de hoje – 16. França – Lei de separação e regulação das atividades bancárias – Análise do projeto entregue pelo governo francês e propostas de alterações em janeiro de 2013 (2ª parte), por Finance Watch
- Parte I – O básico na finança de hoje – 16. França – Lei de separação e regulação das atividades bancárias – Análise do projeto entregue pelo governo francês e propostas de alterações em janeiro de 2013 (3ª parte), por Finance Watch
- Parte I – O básico na finança de hoje – 16. França – Lei de separação e regulação das atividades bancárias – Análise do projeto entregue pelo governo francês e propostas de alterações em janeiro de 2013 (4ª parte), por Finance Watch
- Parte I – O básico na finança de hoje – 16. França – Lei de separação e regulação das atividades bancárias – Análise do projeto entregue pelo governo francês e propostas de alterações em janeiro de 2013 (5ª parte), por Finance Watch
- Parte I – O básico na finança de hoje – 16. França – Lei de separação e regulação das atividades bancárias – Análise do projeto entregue pelo governo francês e propostas de alterações em janeiro de 2013 (6ª parte-conclusão), por Finance Watch
- Parte I – O básico na finança de hoje – 17. Alemanha – Projeto de lei para separar riscos e planear a recuperação e a resolução das instituições de crédito e grupos financeiros (1ª parte), por Finance Watch
- Parte I – O básico na finança de hoje – 17. Alemanha – Projeto de lei para separar riscos e planear a recuperação e a resolução das instituições de crédito e grupos financeiros (2ª parte), por Finance Watch
- Parte I – O básico na finança de hoje – 17. Alemanha – Projeto de lei para separar riscos e planear a recuperação e a resolução das instituições de crédito e grupos financeiros (3ª parte), por Finance Watch
- Parte I – O básico na finança de hoje – 17. Alemanha – Projeto de lei para separar riscos e planear a recuperação e a resolução das instituições de crédito e grupos financeiros (4ª parte), por Finance Watch
- Parte I – O básico na finança de hoje – Alemanha – Projeto de lei para separar riscos e planear a recuperação e a resolução das instituições de crédito e grupos financeiros (5ª parte-conclusão), por Finance Watch